Não Olhe para Cima | 2021

Não Olhe para Cima | 2021

Se é verdade que toda obra reflete os problemas, angústias e limitações de seu tempo,  e que por essa razão não é justo compreendê-las desconectadas do seu contexto, ‘Dont look up’ (Não olhe pra cima) leva esse entendimento à máxima potência. Abusando da sátira e se aproximando de uma construção caricatural de todos os seus personagens, o filme lançado em dezembro de 2021 foi imediatamente associado pelo público como uma referência aos processos vivenciados em todo o mundo e especialmente no Brasil, no persistente contexto pandêmico. Explorando pouco de atores consagrados, o longa não traz grandes inovações do ponto de vista da linguagem cinematográfica, reproduzindo clichês comuns aos filmes de tragédia e se valendo da tensão naturalmente gerada pela expectativa do fim iminente. E como já havia feito de modo marcante em ‘The Big Short’ (A grande aposta), Adam McKay não abre mão de uma direção que pega emprestado também clichês comuns aos filmes de humor, como os cortes rápidos e inesperados, bem como a utilização do exagero como modo de descontrair sem perder, contudo, o tom de denúncia.

O filme, porém, tem muitos pontos fracos. Não só a construção dos personagens parece um desperdício para um elenco tão forte como também essa mesma construção não dá conta da complexidade do tema, transformando pesquisadores, políticos, comunicadores e todos os demais em seres unidimensionais. Mesmo “o povo” é retratado desse mesmo modo, sendo meros reprodutores de discursos construídos por uma elite. McKay produz caricaturas completas de todos os personagens, o que se por um lado confere leveza e dá um tom sarcástico à trama, por outro acaba também enfraquecendo a denúncia que se propõe a fazer. Além disso, é possível reconhecer a utilidade do humor para suavizar temática tão densa quanto a do fim do mundo, mas o seu uso associado à tortura é um equívoco maior do que a maioria das pessoas costuma se dar conta, fazendo lembrar o igualmente problemático saco na cabeça como método de tortura utilizado por José Padilha em “Tropa de Elite 1” e que se tornou febre – em tom de ‘brincadeira’- no Brasil pelos idos de 2007.

A grande novidade da obra parece vir justamente da realidade política e social. Embora se repita a ideia comum de uma elite que foge da tragédia anunciada – muito explorada por Roland Emmerich em “2012” -, o eixo central de ‘Dont look up’ é o negacionismo. É ele que traz ao filme um ar cômico ao mesmo tempo em que desperta no espectador o sentimento de que se retrata algo bastante familiar. Não se trata de um mal inescapável, de algo que foge ao controle dos personagens, mas sim de uma escolha deliberada de importantes lideranças de não “olharem para o problema”. A razão pela qual fogem não pode ser bem compreendida, sendo um mix de burrice com outros interesses mais imediatos. Nesse sentido, é possível pensar que o filme funciona também como um convite à ação e à reflexão, não caindo num catastrofismo que produz o sentimento de impotência no espectador.

Diferente de filmes como o “Idiocracy” (Idiocracia) de Mike Judge, cujo teor dramático assume menor importância na narrativa e que a conexão com a realidade só pareceu possível de ser feita posteriormente (e mesmo assim de forma bem mais frágil), “Dont Look Up” opta por efetivamente se conectar ao contexto social e tirar dele seus elementos centrais – e esse é, certamente, o seu grande acerto. Fazer isso a partir do olhar dos pesquisadores, Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence), é outra importante escolha que dá efetivamente ao filme a capacidade de gerar empatia (com os pesquisadores e com o alerta que fazem). 

A propósito, ao tratar dos pesquisadores McKay acaba tratando de um aspecto da discussão de gênero que merece ser notado. Se é Kate quem tem os méritos da descoberta da chegada do meteorito, quase toda atenção à descoberta, quando há, se concentra em Randall. Eis aí um padrão comum que o filme traz também como tom de denúncia, ainda que de forma bastante pontual. 

A superação da pandemia e dos negacionismos que com ela ganharam grande visibilidade pode fazer com que o sentido apreendido mais diretamente do longa se esvazie. O esfriamento da obra pouco mais de 3 meses após ser lançado reforça que talvez se transforme um filme datado, cujo sentido poderá se enfraquecer com o tempo. Desse modo, e ainda que não seja uma obra grandiosa, relembrar o contexto será fundamental para compreender a sua importância. Infelizmente, porém, o mais provável me parece ser que o negacionismo persista entre nós para além da pandemia e que outros problemas, notadamente relacionados às questões ambientais, estejam cada vez mais presentes, colocando em risco a existência da espécie humana. Assim, e apesar de suas muitas limitações, “Dont Look Up” seguirá sendo um filme importante pela denúncia que se propõe a fazer.

Nota

Author

  • Rodrigo Badaró

    Natural de Belo Horizonte, é Cientista Político (UFMG), cruzeirense, músico e aspirante a crítico de cinema. A maior especialidade está em enxergar a política em todos os lugares, especialmente naqueles que mais ama: o futebol, a música e o cinema.

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