Paris, 13º Distrito | 2021
O 13º Distrito (ou 13º arrondissement) da cidade de Paris, localizado na margem esquerda do rio Sena, é uma região conhecida por sua riquíssima cultura urbana, graças, principalmente, à comunidade asiática que lá se instalou e que invariavelmente exerce forte influência no dinamismo da cidade como um todo. A cultura francesa é, em grande parte, uma fusão das riquezas trazidas pela imigração. É essa extraordinária mescla racial que dá suporte e vida ao longa “Paris, 13º Distrito”, nos presentando com protagonistas jovens que descendem da imigração e que integram a inesgotável labuta humana pela busca do alcance de seus objetivos.
Revelando-se como crônica sobre a juventude contemporânea parisiense, a obra, indicada à Palma de Ouro e à Palma Queer no Festival de Cannes de 2021, é dirigida por Jacques Audiard (de Deephan: O Refúgio, pelo qual recebeu a Palma de Ouro) e por ele coroteirizado com Céline Sciamma (do perfeito Retrato de Uma Jovem em Chamas) e Léa Mysius. Em suma, a narrativa nos insere no cotidiano de personagens que se cruzam pelos acasos da vida: a jovem Emilie (muito bem interpretada por Lucie Zhang), ao anunciar o aluguel de seu apartamento, conhece o professor universitário Camille (Makita Samba), com quem passa a coabitar e a manter uma vida sexual descompromissada. Paralelamente, conhecemos a personagem Nora (Noémie Merlant, em nova parceria com Sciamma), francesa de 33 anos da cidade interiorana de Bordeaux que migra para a capital para cursar direito, e passa a ser confundida com uma camgirl de serviços sexuais, o que inviabiliza sua formação. A vida dos três se entrelaça e o roteiro é trabalhado nesse contexto cruzado.
Por retratar o cotidiano da juventude parisiense, o longa vem sendo muito associado como uma homenagem ao movimento da Nouvelle Vague. De fato, o que dele se extrai de mais rico é sua capacidade de refletir o dinamismo da cidade na rotina de seus protagonistas.
As três vidas que nos são apresentadas em destaque, em que pese derivadas de distintos lugares, cruzam-se não somente fisicamente através das estratégias de roteiro, mas unem-se em seus anseios e expectativas por uma vida melhor. A energia que mantém a cidade em movimento é composta de seres humanos que parecem estar sempre num campo de transitoriedade. Os empregos e os relacionamentos dos três protagonistas são por eles mesmos colocados num lugar de provisoriedade, sendo o definitivo, embora almejado por todos, assustador. Emilie trabalha como atendente de telemarketing apenas porque necessita do emprego. Camille é professor universitário não concursado, e almeja prestar concurso para ser melhor remunerado e valorizado em sua profissão. Nora se vê sem alternativas, a não ser abandonar a faculdade de direito para trabalhar no ramo imobiliário após ser vítima de forte violência moral. A busca pelas expectativas é constante, e o aqui e agora é sempre vivenciado como não ideal.
No campo dos relacionamentos, camada não submersa da narrativa, o medo do que é permanente fala mais alto. Os personagens relacionam-se sexualmente entre si ressabiados pelo crescimento de seus sentimentos. O afeto reflete a necessidade de assunção de compromissos que exigem uma estrutura emocional não mantida pelos personagens. O amor, de fato, não é elemento que, a princípio, é priorizado pelos protagonistas.
As relações sexuais, diga-se, integram sem pudor parte importante do dinamismo social trazido pelo filme. Cada personagem vê no sexo uma função ou objetivo distinto. Há, primordialmente, a busca pelo prazer, mas não só. O sexo é trazido ora como válvula de escape ou alívio, ora como projeção das frustrações da vida pessoal. Ora é mostrado como objeto de autodescoberta, ora como refletor do medo da solidão, ou, ainda, como instrumento de trabalho e profissão. Quanto a este último, é curioso como o sexo é mediador na criação de laços não sexuais entre pessoas que simplesmente desejavam ser ouvidas, o que vemos no relacionamento entre Nora e a camgirl Amber Sweet (Jehnny Beth). Ainda sobre o tema, as cenas de nudez, em que pese não tenham sido, de forma alguma, desrespeitosas (aliás, estamos falando de um roteiro de Céline Sciamma), e sim puramente sensuais, nos parecem desequilibradas quando comparamos a nudez feminina da masculina, esta última presente em menor escala.
A fotografia em preto e branco mostra-se competente principalmente quando lida com poucos pontos de iluminação. Há cenas realmente muito belas que trazem os personagens sob a luz de velas, e ainda, sob as luzes piscantes de uma casa noturna. A trilha sonora é bem humorada e traz contraste à fotografia, formando um equilíbrio bastante interessante.
Por fim, dotado de sensualidade e portador de um humor agridoce, o longa é um agradável retrato de nosso tempo, enriquecido com o pano de fundo trazido pela imigração e pela fusão racial como formadora de cidades e culturas. Afinal, o que é um lugar se não a junção multirracial de histórias e culturas?