Amante por um Dia | 2017

Amante por um Dia | 2017

“No contexto da vivência líquida, amar se caracteriza sempre como um ato arriscado,  perigoso, pois não conhecemos de antemão o resultado final das nossas experiências afetivas: só é possível nos preocuparmos com as consequências que podemos prever e é somente delas que podemos lutar para escapar.”

Amor Líquido: Sobre a Fragilidade Dos Laços Humanos, Zygmunt Bauman

Em “Amante por um dia” (L’Amant d’un jour), de 2017, último longa do que acabou se tornando a chamada trilogia do amor de Philippe Garrel, antecedido por O Ciúme (2013), e À Sombra de Duas Mulheres (2015), voltamos ao triângulo de situações amorosas entrelaçadas, em que o diretor mostra continuar fazendo tão bem. Com o espectro da nouvelle vague, mas usando de uma contemporaneidade na abordagem, Garrel nos traz três visões sobre amor: uma mais libertária, uma romântica e outra que fica no entremeio destas duas. 

Segundo o filósofo Zygmunt Bauman a fragilidade do amor moderno está na dificuldade de se manter relações, devido às mudanças no estilo de vida de nossa sociedade tecnológica. O conceito de amor livre surge com certa força em uma era em que o romantismo perde um pouco de espaço para que se possa discutir novos meios de se relacionar. Conceitos como a fidelidade mudam e passam a depender muito mais do acordo firmado em cada relação.  

Logo no começo os amantes se encontram em duas belas cenas complementares, onde Ariane (Louise Chevillotte) desce as escadas e espera por Gilles (Éric Caravaca) no corredor da universidade, enquanto ele sobe as escadas em sua direção. Quando, enfim, estão juntos no mesmo quadro, os dois dão as mãos e seguem até o banheiro dos professores. Gilles, que é um professor de filosofia, vive um romance em segredo com sua aluna Ariane. Nesse mesmo período, Jeanne, filha de Gilles (interpretada por Esther Garrel, filha do diretor), sofre uma decepção amorosa e pede abrigo ao pai, que já vive com a amante que tem a mesma idade de sua filha.

“O que é fidelidade para você?” Essa pergunta é feita de filha para pai e acaba sem uma resposta exata, mas Gilles levanta divagações a respeito de como existem conceitos diferentes em relação a ela. Podemos ser fiéis a ideias, a detalhes, a lembranças. 

A relação entre as duas meninas na mesma casa se estreita, modificando a relação do casal. Em certo momento Ariane sente ciúmes da filha de Gilles, mas em outro a salva de um ato desesperado, ajudando-a a lidar com a dor que ainda sente pelo término de seu relacionamento, tornando-se uma amiga e confidente. Ariane, em uma conversa com Jeanne, expõe sobre sua naturalidade em fazer amor por prazer, enquanto Jeanne expressa o peso que sente ao se entregar a prazeres que considera vazios. 

“Como ele temia perdê-la, Gilles disse a Ariane que, apesar das infidelidades que poderiam cometer, ]eles permaneceriam juntos.” 

Gilles resiste a certas tentações quando é abordado por outra estudante da universidade e sustenta uma relação fiel a Ariane. Embora indique já ter sido infiel em outras relações, parece estar inclinado a deixar a nova parceira livre para realizar seus desejos em um relacionamento aberto, mas acaba sendo consumido pelo ciúme e não consegue sustentar este acordo. Ao mesmo tempo, o que parece ser uma demanda de Ariane, se torna um incômodo quando ela sente também o medo de perdê-lo. 

Até que ponto queremos ser livres, mas não suportamos a liberdade do outro? Pensar no que desejamos e esperamos de outras pessoas e de nós mesmos, em um embate com a maneira como de fato lidamos com os acontecimentos, são reflexões que Garrel traz nesse enlace de sentimentos.

Jeanne e Ariane conhecem o amor de formas diferentes, são essas duas forças femininas que movem o filme. Gilles é a representação insegura de um homem de meia-idade que se preocupa em como se adequar a uma nova relação com tanta distância geracional. Através de uma bela fotografia em preto e branco (marca registrada do diretor), sem precisar de muitos rodeios narrativos, ele nos indica, dentro das peculiaridades das relações, a importância que é continuar buscando amar. Em toda fragilidade e o risco imposto aos que se apaixonam, os personagens de Garrel fazem do amor um ato de coragem com suas questões essencialmente humanas.

Author

  • Mari Dertoni

    Jornalista carioca, estudou cinema na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, certificada em roteiro pelo Instituto de Cinema de São Paulo. Ama cinema de horror e os grandes clássicos.

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