Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore | 2022

Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore | 2022

Na série de livros e filmes Harry Potter, fomos introduzidos a um universo desconhecido, que passamos a acompanhar pelo ponto de vista de um protagonista que, assim como nós, também se maravilhava com todas as descobertas que o mundo da magia era capaz. Com o estrondoso sucesso, era de se esperar que aproveitassem o interesse do público, assim como várias outras franquias que se mantêm vivas após décadas, como Star Wars, Jurassik Park e James Bond. 

A notícia de que seguiríamos o mundo bruxo com um novo protagonista, Newt Scamander (Eddie Redmayne), e com um novo arco narrativo, foi recebida com entusiasmo pelos fãs, entre os quais confesso que me encontro. Afinal, não faltavam histórias interessantes que poderiam ser trazidas ao cinema.

Se o primeiro filme até conseguiu construir uma boa história, muito pelo carisma de seu protagonista, no segundo, Os Crimes de Grindelwald, foram apresentadas tramas que pareciam não convergir, com pouca preocupação em desenvolver os personagens ou entreter o telespectador. O saldo não estava positivo para a nova franquia.

Nesse clima de suspeita que foi lançado os Segredos de Dumbledore, terceiro filme da franquia Animais Fantástico e Onde Habitam, tendo a função de corrigir desesperadamente os rumos da série. 

O roteiro de Os Segredos de Dumbledore, dessa vez escrito por JK Rowling e Steve Klove, se esforçou em simplificar a narrativa, utilizando-se de diálogos expositivos em sua meia hora inicial para recapitular ao telespectador os acontecimentos anteriores e apresentar o ponto de partida da trama: O grupo formado por Newt, seu irmão Teseu (Callum Turner), sua fiel assistente Bunty (Victoria Yeates), o trouxa Jacob (Dan Fogler), o bruxo Yusuf Kama (William Nadylam) e a Professora Higgs (Jessica Williams), devem cumprir as tarefas designadas por Dumbledore (Jude Law) para impedir a ascensão de Grindelwald (Mads Mikkelsen) ao poder.

Na tentativa de diminuir o número de histórias paralelas, personagens centrais dos filmes anteriores foram reduzidas drasticamente nesta continuação, como Creedence (Ezra Miller) e Queenie (Alison Sudol), e outros foram relegados a meras participações especiais sem muitas explicações, como Tina (Katherine Waterston).

Outro ponto de mudança significativo foi o aumento do protagonismo de Dumbledore, a ponto de apresentar Newt quase como um coadjuvante de luxo, pois não só toda a ação se desenvolve por sua ordem, como também a trama tem como tema central o confronto entre Dumbledore e Grindelwald, os dois maiores bruxos de seu tempo. O tema de amigos que se tornam rivais é recorrente na cultura pop, com inúmeros exemplos famosos: desde Professor Xavier e Magneto em X-men, a Obi Wan Kenobi e Darth Vader em Guerra nas Estrelas, o Mestre e o Doutor em Doctor Who, e Gandalf e Saruman em Senhor dos Anéis. Em todos esses confrontos, a ganância desmedida de um dos lados destrói uma relação que antes era de intimidade e respeito, ao ponto de se tornarem expoentes de visões de mundo opostas e que não conseguem conviver.

Foi você quem disse que nós mudaríamos o mundo! Que era nosso direito de nascença!

Não por acaso, o primeiro segredo de Dumbledore, citado no título do filme, é revelado já nos minutos iniciais, confirmando a teoria bem famosa entre os fãs de que a relação entre Grindelwald e Dumbledore era mais do que uma amizade, nascendo de uma paixão entre eles. No entanto, esse confronto de Dumbledore e Grindelwald deveria ser uma ponte para o desenvolvimento das personagens e do ambiente que os rodeiam, o que não acontece em nenhum momento. 

Os acontecimentos políticos são deliberadamente deixados em segundo plano, com prejuízo para a profundidade da história. O objetivo do vilão Grindelwald de influenciar as eleições para o Conselho Internacional da Magia é apresentado ao telespectador sem nenhum contexto. Não sabemos nada sobre os candidatos, a forma de escolha é alterada de maneira súbita, e o ambiente histórico da época é citado superficialmente.  Bem por isso, a festejada participação da brasileira Maria Fernanda Cândido não possui o merecido destaque, mesmo conseguindo compor uma atuação convincente com o pouco tempo de tela que lhe é permitido. Fica difícil se importar com sua personagem e o embate político que a envolve, se sequer o entendemos direito.

Não bastasse isso, o obstáculo ao confronto direto entre os rivais, materializado no pacto de sangue de não agressão realizado entre eles na juventude, é convenientemente retirado do caminho sem maiores explicações apenas para permitir o clímax nas cenas finais, para logo em seguida também ser interrompido sem justificativa. Difícil não concluir que a luta entre os grandes bruxos foi interrompida apenas porque há outros 2 filmes da franquia a serem entregues nos próximos anos. Pouco parece importar ao roteiro que até mesmo no gênero fantástico é preciso seguir uma coerência de ideias, sob o risco de tornar o telespectador insensível às dificuldades enfrentadas, já que são eliminadas sem qualquer consequência.

Ele quis matar. Eu quis proteger. Nossos feitiços se encontraram. Vamos chamar de destino…

Ainda assim, Os Segredos de Dumbledore conta com um elenco talentoso, sendo inegável a presença marcante que Jude Law e Eddie Redmayne conferem a seus personagens. Também são pontos positivos o acréscimo de uma carismática Professora Higgs, ao mesmo tempo em que Jacob continua sendo o alívio cômico e o responsável por representar o telespectador ao se maravilhar constantemente com o mundo da magia. Por sua vez, a substituição de Jhonny Depp por Mads Mikkelsen nos traz uma composição da personagem de Grindelwald bem mais contida, seguindo a linha de vilões já consagrada pelo ator em 007 – Cassino Royale e Hannibal.

 Dirigindo o sétimo filme nas franquias Harry Potter e Animais Fantásticos, David Yates mantém a estética e condução já consolidados, podendo este ser confundido com qualquer um dos seus trabalhos anteriores. A trilha sonora continua com James Newton Howard, que também se mantém no caminho seguro, buscando acender a nostalgia do telespectador com o tema consagrado por John Williams. Parece não haver muito interesse em inovações na parte técnica, mas com esmero em se construir cenas de ação muito bem coreografadas e divertidas.

Parece ser difícil à produção da nova franquia entender que o sucesso de Harry Potter não se deve à inventividade do mundo criado por JK Rowling ou ao mero carisma do trio de protagonistas. Sem que a gente pudesse acompanhar o crescimento dos personagens, a descoberta de valores como amizade, coragem e sacrifício, ou entender as críticas sociais e políticas que criavam um ambiente de tensão crescente, não valeria a pena acompanhá-los por   7 livros e 8 filmes. 

Os Segredos de Dumbledore consegue se sair melhor do que Os Crimes de Grindelwald, mas ainda está longe de justificar os cinco filmes prometidos, sustentando a franquia Animais Fantásticos muito mais na nostalgia dos fãs da franquia original do que na qualidade da história transmitida. E ainda que seja agradável retornar a Hogwarts e voltar ao universo que nos trouxe tantas emoções, Animais Fantásticos não parece muito o que dizer a seu telespectador.

 Passados três filmes, não há qualquer crescimento dos personagens, mas ao menos tivemos horas divertidas no mundo mágico. De encher os olhos, mas vazio como um parque de diversões.

Author

  • Lenita Leite Pinho

    Apaixonada por todas as formas de contar história. A vida me trouxe a São Paulo pra morar entre gatos e livros. Advogada por profissão, cinéfila de coração e eterna aprendiz

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