Arremessando Alto | 2022

Arremessando Alto | 2022

Principalmente desde Joias Brutas, filme dos irmãos Safdie lançado em 2019, muito tem se falado de um renascimento de Adam Sandler enquanto artista. Ainda que o ator tenha feito papéis dramáticos sob a batuta de diretores como Paul Thomas Anderson e Noah Baumbach, é inegável que sua carreira está associada a filmes de comédia que catapultaram sua fama ao redor do mundo, como A herança de Mr. Deeds (2002); Como se fosse a primeira vez (2004), Click (2006) e Esposa de Mentirinha (2011).

Em Arremessando Alto, longa-metragem dirigido por Jeremiah Zagar e que tem LeBron James como um dos seus produtores, Adam Sandler parece continuar a trilhar este “renascimento”, apostando em uma obra dramática extremamente competente no que se propõe, sobretudo porque a direção em nenhum momento tenta convencer o espectador que irá além de uma história de superação semelhante a que a maioria dos fãs de cinema já viu aos montes. Contudo, após delimitar bem a moldura da narrativa, não criando expectativas para além do que irá entregar, Jeremiah Zagar conduz com segurança o longa que conta com uma forte química entre a dupla de protagonistas interpretados Sandler e Juancho Hernangomez, atuações precisas de um “elenco de apoio” formado por nomes como Queen Latifah e Ben Foster e por atletas como Anthony Edwards e Kenny Smith; e cenas de treinos e jogos de basquete muito bem filmadas/coreografadas, o que não é fácil de se fazer.

A trama traz a história de Stanley Sugerman (Adam Sandler), ex-atleta de basquete universitário que se torna scout (no filme o cargo é traduzido como “olheiro”) do Philadelphia 76ers. Sua missão é percorrer o mundo em busca de bons prospectos para o time recrutar no draft de cada ano. Dada a natureza de seu trabalho, passa uma quantidade significativa de tempo longe de sua família, situação que começa(ria) a mudar quando recebe uma  proposta, do dono da franquia Rex Merrick (Robert Duvall), para se tornar Assistente Técnico da equipe. Contudo, a alegria de Stanley dura pouco. Rex morre subitamente e quem assume seu lugar é seu filho Vince Marrick (Ben Foster) que prontamente comunica Stanley que ele não será promovido e voltará para a função de olheiro.

Com uma grande dose de indignação, Stanley retorna à sua rotina de “caça talentos” ao redor do mundo. Em uma partida de basquete de rua na Espanha, disputada por atletas amadores, ele encontra, por acaso, um indivíduo que parece ter um potencial enorme. Após seguir seus passos, encontra sua casa e fala com ele e sua família: Trata-se de Bo Cruz, trabalhador da construção civil que mora em uma região periférica na companhia de sua mãe e pequena filha. Após Stanley convencer Bo a largar o seu trabalho e sua família para tentar a sorte na maior liga de basquete do mundo, a NBA (National Basketball Association), ambos viajam para a Filadélfia, afinal, o atleta amador deveria realizar uma série de treinamentos e testes (chamado de combine) para que seu talento fosse notado pelos times profissionais. 

Logo ao chegar nos Estados Unidos da América, Bo é detido ainda no aeroporto por ter registros criminais na Espanha. No primeiro treino perante dirigentes e treinadores, sucumbe ao trash talk do prospecto Kermit Wilts e tem uma péssima performance, fazendo com que Vince Merrick afirme peremptoriamente que não possui interesse em recrutar Bo Cruz. 

A partir deste momento da narrativa, há a reprodução de uma típica história de superação, em que o olheiro pede demissão do Philadelphia 76ers e dedica-se a treinar Bo Cruz por acreditar no seu potencial enquanto ninguém mais o faz. Os treinos começam nas madrugadas, os resultados iniciais são desanimadores, mas a partir da persistência e confiança mútua, Bo Cruz vai tornando-se aos poucos um jogador mais preparado para entrar no seleto grupo de jogadores da NBA. Aqui, são nítidas as referências a Rocky Balboa, também da Filadélfia. Ora implícitas, ora explícitas, as alusões à história do mais famoso pugilista do cinema dão um gosto especial a esta parte do filme.

Ao mesmo tempo que aprimora suas condições físicas e técnicas, Bo Cruz ainda parece ser muito vulnerável mentalmente, sendo presa fácil aos atletas mais maliciosos, o que se soma ao fato de ter registros criminais e fortalece o seu estigma de “problemático” e “violento”. Devido a essas dificuldades, as equipes da NBA apontam para a escolha de outros atletas no recrutamento e o fim de linha parece estar próximo para Bo. Contudo, quando está prestes a retornar para seu país natal, em uma cena que definitivamente não é das mais originais do cinema, Stanley recebe uma ligação do agente Leon Rich, dando conta de um treinamento que ocorreria há poucas horas. Bo Cruz é “resgatado” próximo de entrar no avião, vai diretamente para o ginásio e dá um verdadeiro espetáculo durante o treino. 

 Enquanto o espanhol performa na quadra, Stanley é surpreendido com a saída de Vince Merrick da direção do Philadelphia 76ers e recebe um novo convite para ser treinador assistente de Doc Rivers (atual treinador da franquia e um dos mais vitoriosos técnicos da Liga). 

A concretização do previsível final feliz que a maioria dos espectadores espera ocorre em uma bonita cena em que os times de Stanley e Bo Cruz se enfrentam (o espanhol foi recrutado pelo Boston Celtics), onde a narrativa expõe que, para além da quadra, uma relação de respeito e afeto mútuos havia se construído. O arco dramático que envolve os dois protagonistas deixa claro haver uma mão-dupla na relação: para além da evidente ajuda que Stanley deu a Bo Cruz, é notório que Bo também possui um papel fundamental em resgatar seu treinador de uma profissão que não o deixava feliz e fazer com que Stanley pudesse viver, através do seu pupilo, o sonho não alcançado de ser jogador profissional da NBA. 

Arremessando Alto é um filme que os verdadeiros fãs da NBA entenderão as entrelinhas e assim, compreenderão uma série de piadas destinadas a este nicho. Dentre elas destaco a envolvendo o italiano Andrea Bargnani, primeira escolha do draft (recrutamento) de 2006, tendo sido escolhido antes de famosos jogadores como Rajon Rondo, LaMarcus Aldridge e Kyle Lowry e também tendo sido um fracasso retumbante na NBA; e a cena em que o atual mais alto jogador da liga, o sérvio Boban Marjanovic (com seus incríveis 2,24m), tenta convencer os scouts de que tem apenas 22 anos.

Os fãs da NBA também reconhecerão, se não todos, a maior parte dos rostos que aparecem na tela. No longa, vários atletas, dirigentes e treinadores atuam interpretando personagens e vários outros atuam interpretando a si mesmos. Assim, Bo Cruz é interpretado por Juancho Hernangomez, jogador da seleção espanhola e atual atleta do Utah Jazz; Kermit Wilts é interpretado por Anthony Edwards, ala do Minnesota Timberwolves; Boban Marjanovic interpreta o sérvio que mente sua idade; Moritz Wagner dá vida ao desidioso atleta alemão Haas e empresário/agente de jogadores Leon Rich é interpretado pelo bicampeão da NBA Kenny Smith. Enquanto isso, uma enorme lista de personalidades do mundo do basquete interpretam a si próprios, entre eles: Shaquille O´Neal, Allen Iverson, Julius Erving, Dirk Nowitzki, Luka Doncic, Kris Middleton, Brad Stevens, Doc Rivers, Mark Cuban, etc.

Esta heterogeneidade no elenco funciona maravilhosamente bem, sobretudo porque suas atuações, de modo geral, fazem o filme ganhar um aspecto de similitude e familiaridade com o que ocorre na vida real que seria extremamente difícil conseguir de outra forma. Ainda que o enfoque nos bastidores do jogo e da atuação do front office em si não seja o ponto principal a ser explorado por Jeremiah Zagar, como ocorre nos maravilhosos Moneyball dirigido por Bennet Miller e Draft Day de Ivan Reitman, é inegável que tudo que remete a uma parte do esporte que não é mostrada diante das câmeras de televisão, aguça a curiosidade dos fãs do esporte. 

Arremessando Alto, produção original do Netflix, oferece uma típica história de superação envolvendo esportes que, desde o início, deixa clara quais são as suas pretensões e, alicerçando-se nelas, se desenrola de forma muito competente oferecendo, através de momentos de alívio cômico e outros mais pesados, um entretenimento de primeira linha, principalmente se você for fã da NBA.

Author

  • Eduardo Gouveia

    O representante do Pará no Coletivo Crítico que, entre o doutorado em Direito e os jogos do Paysandu, não dispensa uma pipoca para comer, uma Coca Cola gelada para beber e um bom filme para ver.

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