Consciência Negra: Filmes Africanos para assistir na MUBI
Os cinemas brasileiros estão repletos (praticamente dominados) de produções norte-americanas e blockbusters. As distribuidoras na maior parte do país pouco valorizam produções nacionais, o que faz com que, como resultado, o público tenha acesso limitado às obras que nos são conterrâneas.
Se há pouco espaço para o cinema nacional no Brasil, que dirá para o cinema africano. Se pergunte qual foi o último filme produzido pelo continente africano que você assistiu. Mais ainda: você já assistiu algum filme sul-africano? Já procurou assistir algum filme do Senegal, de Gana ou da Mauritânia? Caso a resposta seja negativa para todas as perguntas, não se sinta culpado. Assistimos àquilo que nos é estimulado pelo grande mercado e assim somos educados a continuar fazendo.
Contrariando o grande mercado do cinema, a MUBI chegou ao Brasil como uma plataforma de streaming munida de um catálogo diferenciado, que democratiza esse espaço e dá lugar a obras do mundo todo, nos possibilitando assistir filmes realizados da Oceania à África, da Europa à Ásia, da América do Sul à América do Norte.
Como combate a essa imposição mercadológica, recomendamos que você faça sua revolução individual e aprecie obras cinematográficas do mundo todo. Partindo dessa necessidade e como pontapé inicial, apresentamos uma lista de 06 excelentes filmes africanos que você pode encontrar, hoje, no catálogo da MUBI.
1. A NEGRA DE… (Senegal – 1966)
Direção: Ousmane Sembène
Em 59 minutos e focado em uma única personagem, Ousmane Sembène, estreante, consegue traduzir a opressão colonialista sofrida por um povo inteiro. A Negra De…, cujo título vem acompanhado de reticências para que o próprio espectador possa se questionar como completá-lo, é um filme de 1966 com um extenso rol de premiações e homenagens, a incluir o Festival de Cannes, que acompanha a protagonista Diouana (Mbissine Thérèse Diop), uma jovem senegalesa que deixa sua terra natal, a cidade de Dacar, para trabalhar como governanta na costa francesa com seus patrões, que lhe prometem oportunidades e uma vida melhor no país europeu.
Muito embora seja estilisticamente comparado com a nouvelle vague, o diretor selegalês possui uma marca própria, e retrata com a crueza necessária uma protagonista silenciosa, mas que apresenta seus questionamentos através da narração em off, e se vê muito longe das promessas que lhe foram feitas. O filme aborda o fetichismo e a lógica racista da branquitude perante a personagem protagonista, que é explorada como se escrava fosse e nascesse para ser. Dotado de uma bela direção de arte que sai da movimentada e acolhedora Dacar para as enclausurantes paredes de um apartamento na costa francesa, e uma fotografia proposital e significativamente bicolor, é um belíssimo e fundamental trabalho, que integrou recentemente o catálogo da MUBI, e que se tornou um clássico que não pode ficar de fora dessa lista.
2. Ó, SOL (Mauritânia – 1967)
Direção: Med Hondo
O prólogo de Ó, Sol é uma metáfora para tudo que se dará na sequência. De forma lúdica, o cineasta Med Hondo nos apresenta seu tema: a colonização do povo africano. Há um processo de batismo dos africanos que os coloca sob o jugo do colonizador. No início é como uma catequização, mas que logo se transforma em uma marcha militar. O colonizador que observa do topo recruta jovens do próprio povo oprimido para servirem de carrascos. A dominação é também mental, estabelecendo o ódio e a violência entre os nativos: uma “desconscientização” da luta.
Da Mauritânia vamos para a França, espaço onde poderia se vislumbrar uma vida menos pobre. A chamada “invasão negra” acontece. O povo colonizado quer seu espaço, mas não há hospitalidade para eles. Nem empregos. Nem moradia. Nem o mínimo de atenção governamental. Ó, Sol é um grito antirracista e decolonial que questiona toda uma estrutura de opressão que nem sempre é evidente, mas opera em pequenos gestos, em pequenos almoços familiares ou até mesmo no ato sexual. É um dos grandes filmes da vanguarda seiscentista que é colocado em segundo plano por ser negro. Não é apenas essencial em uma lista de filmes africanos, mas também em uma dos movimentos de novos cinemas políticos e revolucionários.
3. MUNA MOTO (Camarões – 1975)
Direção: Jean-Pierre Dikongué Pipa
Você já deve ter visto ou ouvido uma história de amor que não pode se concretizar por quebrar as tradições familiares e culturais. Muna Moto segue essa premissa, mas traz consigo um questionamento moral muito mais profundo do que se possa esperar de um romance clássico. Ngando e Ndomé formam um casal apaixonado. Mas para que os dois fiquem juntos isso não basta; eles esbarram no tradicionalismo de seu povo. Ngando precisa de um dote para pedir a mão da moça em casamento. A saída é seu tio, possuidor dos proventos necessários. Seria simples o cumprimento do ritual, não fosse seu tio, representante da forte tradição regional, do machismo e do fascismo, querer Ndomé para si. É o tio que vai comprar a jovem para ser sua quarta esposa, impedindo o amor verdadeiro de acontecer.
O diretor Dikongué Pipa conta essa história com um vanguardismo digno das novas ondas do Cinema dos anos 60. Sua montagem não é totalmente linear, mesclando a memória de Ngando e sua frustração e indignação pelo que acontece. O dilema do tradicionalismo e até onde ele é válido está presente desde as primeiras cenas: há um longo e belíssimo prólogo que mostra os rituais daquele povoado e o jovem que procura sua amada presa naquele sistema. Um grande filme africano disponível no catálogo da Mubi e que merece ser mais visto!
4. IN THE NAME OF CHRIST (Costa do Marfim – 1993)
Direção: Roger Gnoan M’Bala
Uma sarcástica e ousada crítica à manipulação religiosa e a sobreposição de culturas originárias por costumes colonialistas. Esse clássico africano, entre personagens zombeteiros de uma pequena aldeia costa-marfinense, nos traz seu protagonista, Magloire 1º (Pierre Gondo), que depois de uma bebedeira seguida por uma visão, começa a apresentar-se como primo de Cristo, cuja missão é salvar seu povo. Conquistando a todos na aldeia, ele funda uma religião, que atrai seguidores para além da aldeia. Magloire 1º acredita, de fato, ser um enviado de Deus, levando suas convicções ao extremo, ao mesmo tempo em que explora o povo que conquista.
A obra foi internacionalmente reconhecida e ganhou relevância para além da Costa do Marfim, recebendo o Prêmio Especial da Juventude no Festival de Locarno de 1993 e o Prêmio Especial do Júri no Festival de Milão de 1994. Provocativo e com toques de insanidade, o filme é imperdível àqueles que desejam explorar a beleza do cinema africano.
OBS: esse filme foi legendado somente em inglês.
5. HEAVEN REACHES DOWN TO EARTH (África do Sul – 2020)
Direção: Tebogo Malebogo
Dois jovens, Tau (Sizo Mahlangu) e Tumelo (Thapelo Maropefela), enquanto exploram uma deslumbrante cadeia de montanhas na África do Sul, turbilhonam pensamentos sobre apagar ou não as chamas internas que gritam sua sexualidade.
Em dez minutos inebriantes, o diretor Tebogo Malebogo encaixa nesse curta-metragem uma belíssima poesia do fogo do calor humano e do desejo queer em meio às paisagens da Reserva Natural Limietberg, onde foi filmado. Uma viagem curta e realmente fascinante.
6. B FOR BOY (Nigéria – 2013)
Direção: Chika Anadu
Dirigido por Chika Anadu, o filme carrega uma forte crítica ao sistema patriarcal incorporado na sociedade que impõe normas de controle de mulheres. Por meio da gravidez de Amaka (Uche Nwadili), uma mulher de aproximadamente 40 anos que já é mãe de uma menina de 7 anos, percebemos como, em nome da religião e de valores tradicionais, se atualizam as estruturas patriarcais naquela sociedade. Amaka vive o drama em relação à gravidez por necessitar ter um filho do sexo masculino. Caso não tenha um filho homem, seu marido deverá perpetuar o nome da família com uma segunda esposa.
B for Boy foi lançado no ano de 2013 e foi premiado no Festival de Londres do mesmo ano. Um denso e necessário trabalho que deve ser apreciado.
OBS: esse filme foi legendado somente em inglês.
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