Cinemas indígenas [Especial 17ª CineOP]

Cinemas indígenas [Especial 17ª CineOP]

Tratamos em texto anterior da cobertura do Coletivo Crítico na 17ª mostra de cinema de Ouro Preto. Um aspecto central da mostra que ainda não tratamos foi sua temática histórica. O tema central era Cinemas Indígenas: Memórias em Transmissão. O objetivo, em linhas gerais, consistia em investigar a história de imagens e sons produzidos sobre os povos indígenas. Nada mais justo para uma mostra preocupada com a preservação do audiovisual brasileiro cujo slogan era: “Preservar para existir”.

Contudo, um aspecto em específico me chamou especialmente a atenção: a produção de filmes não apenas sobre os povos indígenas, mas a exibição do que seria propriamente um cinema indígena. Filmes que nos permitem ter contato com produções dos povos indígenas e que exprimem um olhar bastante próprio acerca da sua realidade. Essas produções são de alguma forma fomentadas por oficinas do próprio CineOP. Iniciativa mais que louvável, buscando permitir que os subalternos possam falar por si próprios, para usar os termos de Gayatri Spivak.

O tom de denúncia marcante em todas as obras dos cinemas indígenas que pude acompanhar é sintomático da situação em que se encontram esses grupos. Por isso mesmo, vale a pena conhecer e se permitir mergulhar nessas produções, suspender, ao menos em parte, o juízo estético tendo em vista o caráter inaugural e a importância histórica e política dessas produções. Vamos a elas, todas disponíveis e com link para assistir gratuitamente no Youtube.

Ka’a zar ukyze wà – Os donos da floresta em perigo [curta]

Direção: Flay Guajajara Edivan dos Santos Guajajara Erisvan Bone Guajajara

Duração 14 min.

Cinemas Indígenas: frame do filme Ka’a zar ukyze wà (Os donos da floresta em perigo)

O curta aborda a relação entre os Guajajaras e os Awá, povo que vive isolado na terra de Araribóia, área de floresta amazônica na fronteira entre o Pará e o Maranhão. Temos aqui as primeiras imagens de um grupo de Awás Guajás captadas pelos realizadores Guajajaras do coletivo Mídia Índia. É notório o estranhamento e, ao mesmo tempo, a identificação entre esses povos. Ambos cercados pelo desmatamento e pela violência produzida pelo Brasil institucional, os Guajajaras, conhecidos como os “guardiões da floresta”, sabem que, se as invasões dos madeireiros em Araribóia não cessarem, os Awás estarão com os dias contados. Por isso, buscam se aproximar dos Awás e tentar alguma forma de contato.

O filme está disponível e pode ser visto no youtube neste link.

Yvi Reñoi – Semente da Terra (2019) [curta]

Produzido e Dirigido coletivamente: Ascuri (Associação Cultural de Realizadores Indígenas)

Duração 15 min.

Cinemas Indígenas: frame do filme Yvi Reñoi (Semente da Terra).

No centro-oeste brasileiro, vemos aqui práticas criminosas de fazendeiros em uma região próxima (279km) de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. O curta aborda de forma mais específica a visita de Jair Bolsonaro à região no distante ano de 2016. Ainda que fosse uma liderança pouco conhecida nacionalmente, os registros indicam como o atual Presidente já possuía forte apelo junto aos fazendeiros da região.

Desse modo, e encorajados pela visita, 5 dias depois uma milícia armada de fazendeiros da região atacaram as comunidades Kaiowá e Guarani de Tei’ykue. O ataque teve como consequência a morte de um agente de saúde e o ferimento grave de uma criança e vários professores. Embora focados em um fato específico, os realizadores do filme reafirmaram na sessão de exibição do filme, em Ouro Preto, a recorrência desses episódios e o risco iminente que vivem Kaiowá’s e Guarani’s na região. Assim, não é possível compreender esse como um fato isolado na região.

Em suma, tem-se aqui um importante filme de denúncia e que está disponível no youtube, clicando aqui.

Ava Yvy Verá – A terra do povo raio (2017)[média]  

Dirigido por vários cineastas indígenas: Genito Gomes Valmir Gonçalves Cabreira Johnaton Gomes Joilson Brites Johnn Nara Gomes Sarah Brites Dulcídio Gomes Edna Ximenes.

Duração 52 min.

Cinemas Indígenas: frame do filme Ava Yvi Verá (A terra do povo raio).

Outro filme que buscou denunciar a situação precária em que se encontram Guaranis e Kaiowás no Mato Grosso do Sul é Ava Yvy Verá. Trata-se de um filme que apresenta o contexto de disputa por terras na região e que culmina com a retomada do território pelos povos nativos. Além disso, o curta consegue dar ao espectador as múltiplas dimensões que a terra possui para aquele povo, sendo espaço de conhecimento, de resistência e também de encanto. Nesse sentido, e prestando uma homenagem ao cacique Nizio Gomes, assassinado anos antes, o filme explora os modos de vida naquele lugar, a importância da luta e também da festa, do encontro e da celebração.

Realizado por um grupo de jovens e lideranças da tekoha Guaiviry, o filme contou com a produção do Programa Imagem Canto Palavra nos Territórios Guarani e Kaiowá (Proex/UFMG).

O filme pode ser visto aqui.

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Há diversas particularidades desses cinemas indígenas que mereceriam ser destacadas, como, por exemplo, a produção coletiva que caracteriza todos os filmes citados. Da mesma forma, a construção das histórias passa longe de um protagonismo individual facilmente reconhecido pelo espectador. O acesso facilitado, todos eles disponíveis no youtube, também nos permite dissociar essas produções de qualquer interesse comercial e reforçar seu caráter político-pedagógico. Enfim, por tudo isso, recomenda-se que o leitor se permita conhecer um outro aspecto do cinema brasileiro, notadamente, os também seus cinemas indígenas.

Author

  • Rodrigo Badaró

    Natural de Belo Horizonte, é Cientista Político (UFMG), cruzeirense, músico e aspirante a crítico de cinema. A maior especialidade está em enxergar a política em todos os lugares, especialmente naqueles que mais ama: o futebol, a música e o cinema.

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