Dupla Jornada | 2022

Dupla Jornada | 2022

É importante saber o que esperar de um filme, ao menos para evitar futuras frustrações. Ter a exata noção daquilo que ele pode oferecer e aquilo que ele não pode (ou não quer) oferecer. Estas duas premissas são fundamentais para qualquer análise acerca de um filme, mas parece que são dotadas de uma importância ainda mais especial quando se pensa sobre produções como “Dupla Jornada”. 

O longa-metragem marca a estreia de J.J Perry na direção, o que não quer dizer que ele seja um “novato” na indústria cinematográfica. J.J tem uma sólida carreira como dublê e coreógrafo de lutas, tendo atuado em filmes como Mortal Kombat (1995), Avatar (2009) e Django Livre (2012). Para além de dublê e diretor, é artista marcial, tendo iniciado seus treinamentos ainda na década de setenta, quando era uma criança. 

Não bastassem essas informações para se ter “uma imagem” acerca da natureza do projeto, tem-se que um dos produtores de “Dupla Jornada” é Chad Stahelski, o diretor de todos os filmes da trilogia “John Wick”. O filme, orçado em cem milhões de dólares, não difere muito do que se pode imaginar a partir destas informações: as cenas de ação funcionam muito bem.  

Estrelado por Jamie Foxx, “Dupla Jornada” traz a história de Dub, um homem que se “disfarça” de limpador de piscinas para esconder a sua real profissão: caçador de vampiros na ensolarada Califórnia. Enquanto convive com as ordinárias dificuldades do homem comum que precisa sustentar sua filha e enfrentar as tristezas oriundas de um divórcio, ganha a vida no “submundo” matando vampiros e extraindo-lhes os caninos, que são artigos de luxo vendidos por altas cifras. 

Contudo, Dub não mais pertence ao “sindicato de caçadores de vampiros” por conta de uma série de ilegalidades cometidas em suas caçadas no passado. Por essa razão, atua na clandestinidade e não consegue uma remuneração que permita suprir as necessidades de sua filha. 

Para voltar ao sindicato e conseguir levantar uma grana para garantir a permanência de sua filha e ex-esposa na Califórnia, Dub recorre ao amigo Big John (interpretado por Snoop Dog). Ele também conta com o auxílio de Seth (interpretado por Dave Franco), funcionário da burocracia do sindicato que passa a ser seu (improvável) parceiro nas caçadas aos vampiros.

Retorno às premissas iniciais que inauguram este escrito. O filme traça uma linha clara do que almeja entregar e é notório que faz isso muito bem. As cenas de ação são extremamente bem coreografadas, aproximando-se muito aos movimentos/linguagem que remetem aos jogos de computador/videogames. Estas cenas são muito empolgantes e foram beneficiadas pela boa caracterização dos vampiros que, aqui, apesar de obedecer à boa parte da mitologia “vampiresca”, possuem algumas peculiaridades, dentre elas: os vampiros utilizam protetor solar para sair durante o dia e possuem uma agilidade e elasticidade dignas de provocar inveja às atletas de ginástica. 

Todavia, não se pode falar que as cenas de ação são os únicos pontos altos do filme, porque as participações, especialmente de dois artistas, chamam bastante atenção: em primeiro lugar, é necessário dizer que as cenas com Snoop Dog são entretenimento puro. O carismático rapper californiano eclipsa os demais atores a cada aparição sua; em segundo lugar, a rápida aparição de Scott Adkins (ator/artista marcial inglês famoso por protagonizar a franquia de filmes “Boyka”) entrega uma memorável cena de ação.

Ao assistir o longa-metragem, é quase impossível não pensar que a atenção dada às cenas de ação faltou para a construção de um bom roteiro. A narrativa é genérica e a construção dos personagens é pobre, principalmente da antagonista, a vampira Audrey (interpretada pela mexicana Karla Souza) cuja insistente repetição de frases maquiavélicas misturando inglês com espanhol só não é mais irritante do que enfadonha. 

O filme parece encarar a construção narrativa como um “mal necessário” para que se possa justificar a próxima cena de caça aos vampiros. Não são poucas as vezes em que a falta de informações contidas no desenrolar do longa-metragem causa dificuldades na compreensão da narrativa. Neste sentido, destaco a total conversão de dois vampiros (dentre eles, Seth) que, sem maiores detalhamentos, passam a atuar auxiliando Bud na caça de… vampiros, auxílio esse que é fundamental para que no final da trama a vilã seja derrotada e Bud viva feliz com sua família. 

O filme em sua totalidade, não se preocupa em “amarrar” o roteiro e muito menos em ser inventivo nas construções da narrativa. O ato final é o principal afetado por este notável desarranjo.  

Em relação ao protagonista, poder-se-ia “problematizar” o fato dele agir, conscientemente, fora das leis do sindicato a qual pertencera, justificando o cometimento de ilegalidades porque lutava por um “bem maior”, qual seja, a eliminação dos vampiros. Em dado momento, afirma que, caso respeitasse os regramentos do sindicato, estaria morto, fortalecendo uma ideia geral (que permeia a sociedade brasileira, inclusive) que a atuação à margem da lei se justifica caso vise a “paz social”. 

Ora, sabe-se que não é apenas na ficção que se violam leis sob pretexto de um (suposto) combate à própria violação de leis, o que é absolutamente inadequado (vivemos em tempos que, infelizmente, é preciso afirmar o óbvio). 

O roteiro é tão pobre que não há substrato suficiente para tecer maiores considerações acerca deste agir de Bud, sobretudo porque, em mais um momento de difícil compreensão da narrativa, o personagem de Jamie Foxx, quando confrontado pelo chefe do Sindicato acerca de sua atuação, que antes proferia um discurso de desprezo aos regramentos sindicais, passa a defender-se das acusações sobre sua atuação com base nestes próprios regramentos, o que não se legitima perante o que nos foi mostrado antes e não funciona sob nenhum prisma (principalmente o cômico).  

Assim, “Dupla Jornada” é sustentado por excelentes cenas de ação, que dotam o filme de uma energia imprescindível para que o espectador continue assistindo ao longa-metragem. Contudo, é apenas isso que ele tem a oferecer. Sua narrativa é pouco inventiva, em determinados momentos difícil de compreender (uma vez que os acontecimentos ocorrem sem uma mínima explicação/legitimação prévia) e não se dedica a aprofundar em nenhuma ideia específica, dentre elas, destaco o total desprezo à construção da personagem que desempenha o papel de vilã. 

O filme estreou no dia doze de agosto no Brasil e pode ser assistido na Netflix.

Author

  • Eduardo Gouveia

    O representante do Pará no Coletivo Crítico que, entre o doutorado em Direito e os jogos do Paysandu, não dispensa uma pipoca para comer, uma Coca Cola gelada para beber e um bom filme para ver.

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