A Filha do Caos | 2022
Há uma grande dose de experimentações aqui. Juan Posada, filósofo colombiano, dirige seu terceiro longa-metragem: “A Filha do Caos” (neste filme, especificamente, também fotografa e o roteiriza junto de Bruna Spiínola), de forma intencionalmente confusa e, aproveitando o gancho que o próprio nome traz, caótica.
Definitivamente não há nenhuma intenção de “facilitar” as coisas para o espectador aqui. Primeiro, por se fundar em referências que vão de um saber fundamentalmente religioso, até as tragédias gregas, especificamente, a peça Édipo Rei de Sófocles.
A partir das reflexões e experiências mais íntimas de Maria, interpretada de forma muito competente por Bruna Spínola, há uma exploração eficiente da explosão de sentimentos que aquela mulher sofre, a partir do vivido por si na vida pessoal e profissional. Suas dores e dúvidas são mostradas a partir de close-ups, imagens desfocadas e uma granulada fotografia em preto e branco (que nos remete ao expressionismo alemão), o que faz o espectador mergulhar naquele cenário de plena instabilidade emocional.
Quando me refiro às experimentações, o digo porque Posada explora o fato da personagem Maria ser atriz para fazer uma série de incursões no que seriam suas atuações e no que seriam momentos de sua vida íntima. Há uma mistura entre os traumas e dores da Maria atriz e de Jocasta, personagem interpretada por ela em uma encenação de Édipo Rei, com estes “diferentes mundos” se conectando a partir de um tema específico: a maternidade.
Esse “vai e vem” narrativo confere ao filme algo de muito peculiar e experimental. Não são raras as vezes que a quarta parede é quebrada e as atuações se dão de forma extremamente teatral, como se essa união Jocasta-Maria (e suas “via crúcis”) e cinema-teatro fosse algo essencial a este trabalho.
A personagem transporta para Jocasta toda a dor que sente após ter experenciado um aborto, trazendo uma boa dose de potência ao filme. Maria afirma sentir seu corpo como o túmulo do natimorto e, a partir deste momento, passa a reproduzir a lógica do autoflagelo e autocondenação.
O diretor opta por envolver o longa-metragem de uma explícita conotação mística, em que Maria (o nome não é coincidência) passa a refletir acerca da maternidade e do que é ser mulher. A partir de sua trágica experiência com o aborto e envolta desta conotação essencialmente religiosa, passa a personagem se enxergar como uma pecadora ou, como afirma expressamente, uma condenada. O peso de ser mulher a fez condenar-se.
A dor da perda turva suas percepções da realidade e o caos gerado daí, pode ser colocado como o grande mote do longa. Maria tenta reerguer-se a partir da Outra, buscada (e encontrada?) ou na arte ou no místico/religioso.
Em meio a experimentações que entrecruzam o cinematográfico e o teatral e tendo o sofrimento feminino como elemento central, “A Filha do Caos” talvez se perca em alguns momentos dada uma demasiada lentidão ou no anseio de tentar reverberar (ainda mais) a confusão trazida à tela, apostando, sem muita razão, em tornar mais difícil a compreensão do espectador ante aquele angustiante cenário.
Filme assistido via cabine de imprensa na 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2022
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