A Noiva | 2022

A Noiva | 2022

Após a queda do estado islâmico no Iraque, guerrilheiros do Daesh foram aprisionados juntamente com suas esposas e filhos. Entretanto, enquanto os homens sofreram pena capital, suas esposas permaneciam sob investigação, lançadas com seus filhos em campos de concentração do Estado aguardando seus julgamentos. O diretor Sérgio Tréfaut, brasileiro atuante no cinema de Portugal, viajou pela região posteriormente dominada pela ISIS sob a pretensão, a princípio, de realizar um documentário. Entretanto, o projeto precisou adormecer com a ascensão do estado islâmico e se transformou em A Noiva, que narra a história de Bárbara (Joana Bernardo), uma jovem portuguesa, mãe de dois filhos pequenos e grávida do terceiro, casada com um homem francês guerrilheiro do Daesh, e que num contexto de um Iraque restabelecido, vê o marido sofrer as consequências de seus atos, e é encarcerada junto com outras esposas e filhos do jihad até que seja julgada por sua suposta participação nos crimes do marido.

O trabalho de direção de Tréfaut é bastante competente, e suas escolhas rendem cenas que marcam o espectador não só pelo drama da jovem protagonista em si, mas por trazer o peso das burocracias e do tratamento dado às esposas e filhos do jihad. O diretor faz questão de mostrar a insegurança e instabilidade da situação das prisioneiras, que além de desprovidas de qualquer informação acerca de seus julgamentos, são transportadas e mudam de prisão constantemente (há muitas cenas de personagens em trânsito), vivem aglomeradas, recebem péssima alimentação e são separadas dos filhos maiores sem qualquer piedade. Há um incômodo constante representado pelo choro interminável das crianças aprisionadas junto de suas mães, que pacientemente ajudam-se mutuamente nos cuidados com os filhos. O uso de câmeras paradas e close-ups potencializa o efeito burocrático das situações rotineiras mostradas pelo diretor no campo de concentração.

Por outro lado, percebe-se a intenção de chocar o espectador utilizando-se da protagonista europeia branca de olhos grandes e azuis como se em contraponto às demais prisioneiras, mostrando, inclusive, alguns privilégios de Bárbara sobre as demais esposas. Apesar de muitas dessas benesses, e até o próprio destino da personagem em comparação com as demais esposas, advirem da diplomacia e do direito internacional (pois é estrangeira), fato é que coloca-se Bárbara em um patamar superiorizado pelo simples fato de ser europeia, de forma que soa um tanto preconceituosa, e torna chocante a ideia de um cidadão europeu ser classificado como terrorista.

Afora da questão diplomática, a abordagem seletiva que coloca Bárbara em condição superior às demais prisioneiras não brancas e não europeias empobrece uma obra que carrega potencial. Talvez o próprio lugar do diretor como brasileiro que atua no cinema europeu não favoreça um olhar diferenciado. Entretanto, a competência técnica de Tréfaut na condução narrativa e na exposição crua de um campo de concentração composto por mulheres e crianças não deixa que o longa se perca totalmente em vieses europeus.

Filme assistido via cabine de imprensa na 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2022

Para ver toda a nossa cobertura da 46ª Mostra SP, clique aqui

Nota:

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