Noites Alienígenas | 2022
“O Acre existe, faz cinema e cinema bom!”
Numa sessão da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com ares de estreia e a presença do diretor, produção e elenco, essa frase foi dita com muita ênfase. O Acre faz parte do Brasil e precisa ser entendido como Brasil, e Noites Alienígenas, filme do acreano Sérgio de Carvalho que foi o grande vencedor do Festival de Gramado 2022, é um lembrete de como a retomada às origens pode ser a cura dos males urbanos, e uma denúncia do aumento assustador de assassinatos de jovens e adolescentes no Acre devido à migração que levou crime organizado do Sudeste ao estado Amazônico.
A narrativa de Noites Alienígenas não é amarrada por um personagem único, mas conecta a vida de três mães solos através de seus filhos. O elo que une a todos é a maternidade. A parede que os afasta, mas que conecta as histórias é Alê (Chico Diaz), traficante de drogas que atua também como figura paterna inexistente nos seios familiares que nos são apresentados, e que não se rende ao modelo do crime organizado que ganha espaço nas periferias de Rio Branco.
Traçando, a princípio, narrativas paralelas que instigam o espectador a conectá-las no decorrer do longa, muitas vidas são colocadas em tela. Acompanhamos Sandra (Gleici Damasceno), uma jovem negra e mãe de um filho pequeno cujo pai, Paulo (Adanilo Reis), é dependente químico já consumido por seu vício. O personagem de Paulo é pai, mas também é filho de Marta (Chica Arara), indígena e evangélica. Sandra mantém um relacionamento com Rivelino (Gabriel Knoxx), um jovem de promissores talentos artísticos para a pintura e para a música que trabalha para Alê. Rivelino é filho de Beatriz (Joana Gatis), com raízes no Sudeste e uma mulher de alma livre.
A periferia de Rio Branco é personagem-espaço. A cidade, situada em área fronteiriça com o Peru e a Bolívia, é um centro urbano em meio à floresta amazônica, que mostra-se em crise identitária. Há um duelo constante presente no filme entre a urbanidade crescente e a preservação das origens (indígena e negra) tanto com relação ao espaço quanto aos próprios personagens.
O diretor escolhe a utilização do realismo mágico tanto para ressaltar a identidade originária amazônica (e a inca também, nas “reflexões” de Alê sobre alienígenas e o povo peruano) como também para demonstrar os estados emocionais e psíquicos dos personagens, o que traz um misticismo necessário ao longa. São belas as cenas em que o personagem Paulo, totalmente absorvido pelas alucinações da pasta base de cocaína, entrelaça-se com uma cobra.
No dilema identidade urbana versus identidade originária, vence e encontra a cura aquele que consegue voltar – às raízes, às origens, à identidade. Quando vê a vida do filho em risco, Marta não recorre à igreja evangélica, sua identidade de negação às origens, mas volta ao lar materno e busca a medicina indígena como salvação daquele que está perdido.
O grande potencial do filme se perde um pouco no timing. Quando a conexão entre os personagens se torna clara e destinos passam a ser traçados, o filme acaba. Entretanto, esse é um detalhe ante a preciosidade que encontramos no cinema acreano. O Brasil precisa aprender, com o Acre, a olhar para suas origens.
Filme assistido à convite da Sinny Assessoria na 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2022
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