Durval Discos | 2002

Durval Discos | 2002

Em uma Cinemateca Brasileira lotada, a diretora Anna Muylaert, juntamente com o elenco de Durval Discos, celebraram, na 46ª Mostra de Cinema Internacional de São Paulo, os 20 anos do filme. “20 anos depois, vamos ver como ele vai bater”, disse a diretora pouco antes da exibição, que ocorreu na área externa da Cinemateca. Se a diretora tinha dúvidas, a plateia (e nós também) confirmou: bateu muito bem.

Assistir a Durval Discos é uma delícia. A narrativa é simples. Durval (Ary França) é um típico “solteirão”, dono de uma loja de vinil que com sua mãe idosa, Carmita (Etty Fraser), nos fundos do estabelecimento. Se passando em 1995, a loja de discos tenta sobreviver em meio ao boom do CD. A vida pacata de mãe e filho, entre visitas diurnas de Elisabeth (Marisa Orth), que trabalha na doceria vizinha, muda a partir de uma ideia de Durval, diante da idade avançada da mãe que a faz esquecer a receita dos pratos preferidos do filho: a contratação de uma empregada doméstica.

A empregada “perfeita” aparece na forma de Célia (Letícia Sabatella). Aceita o salário ínfimo, faz a coxinha de frango perfeita para Durval e deixa a casa limpinha. No segundo dia de trabalho, entretanto, ela some, deixando como inusitado presente uma criança, Kiki (Isabela Guasco) e um bilhete, um pedido de Célia para que Durval e Carmita cuidem da filha por dois dias.

Assim como o disco possui lado A e lado B, a diretora estruturou o filme de forma semelhante. Enquanto na primeira parte, que conta com uma introdução enérgica que traz a câmera de Muylaert passeando pelas ruas sujas e coloridas de São Paulo ao acompanhar um skatista, estamos diante de um humor leve, que arranca risos pela convivência do filho adulto dependente de uma simpática mãe idosa e pelas dificuldades de venda da loja de discos, a chegada de Kiki traz consequências que vão da diversão pela presença da criança, que dá vida àquele lar, a um caso de polícia e até a um assassinato que não faz perder o humor, mas que lhe incorpora bastante acidez. O lado B do filme.

Essa mudança estrutural só enriquece o filme. Muylaert agrega o humor ao roteiro através do absurdo e da bizarrice das situações. A criança traz tanta vida ao lar, e principalmente, à Carmita, que cria-se uma obsessão em mantê-la naquele lugar. Kiki conquista a todos. Faz Durval dançar e esquecer a loja de discos. Faz Carmita lembrar as receitas gostosas que havia esquecido. Cobrem a menina de presentes. “Minha filha, eu gastei todo o meu dinheiro te comprando presentes. Se você não me deixar eu te dar um beijo, eu vou chamar a bruxa pra te pegar”, diverte-nos Carmita quando a menina não quer presentes, mas pede por um cavalo o tempo todo.

O cavalo aparece. Numa cena de realismo absurdo, Carmita convence um carroceiro a vender a ela um cavalo por um preço insignificante. O cavalo vai para dentro da casa, que mal possui quintal. Dá-se um jeito do cavalo se encaixar ali.

Muylaert dá vida abundante a um filme que se passa praticamente em apenas um ambiente, uma casa que possui uma loja de discos agregada. Quem faz cinema de verdade, o faz com qualquer instrumento, com qualquer orçamento e o resultado, nesse caso, é genial.

Nota:

Filme assistido em apresentação especial da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2022, a convite da Sinny Assessoria.

Para ver toda a nossa cobertura da 46ª Mostra SP, clique aqui

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  • Natália Bocanera

    Na escassez de tempo, entre advogar e dedicar-se à sua dezena de felinos, escolheu o cinema como ponto de equilíbrio e formação individual do seu "eu", em permanente descoberta.

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