Pinóquio de Guillermo Del Toro | 2022

Pinóquio de Guillermo Del Toro | 2022

Pinóquio se inicia com a história de Gepeto (David Bradley) e seu filho, Carlo (Alfie Tempest). Em poucos minutos, acompanhamos pai e filho perpassando diversos momentos bonitos juntos até chegarem ao momento mais trágico: a morte de Carlo. Essa introdução faz lembrar o começo de Up – Altas Aventuras. O longa de Guillermo del Toro, contudo, apresenta os vínculos entre pai e filho antes da tragédia de forma apressada, sugerindo apenas experiências positivas, o que soa um tanto artificial. Seu impacto, assim, não é, nem de longe, comparável ao que se vê na animação da Pixar. Ainda que de modo frágil, a breve narrativa envolvendo Carlo cumprirá o papel fundamental de justificar a criação de Pinóquio (Gregory Mann) e todo o arco dramático que daí decorre.

Del Toro introduz em sua versão de Pinóquio um pano de fundo inovador. Trata-se de situar a história de Gepeto, Carlo e de Pinóquio no contexto das grandes guerras. A morte de Carlo se deve a ataques aéreos ocorridos na 1ª Guerra Mundial. Já a história de Pinóquio, alguns anos mais tarde, será atravessada pelo fascismo italiano e pela 2ª Guerra Mundial. Esse aspecto não constitui apenas um elemento secundário da obra, mas acompanha boa parte da trama que busca estabelecer uma base política mais crítica à clássica história de Pinóquio.

Pinóquio deixa de ser um boneco e ganha vida graças ao ser sobrenatural que lhe dá a missão de atenuar o sofrimento de Gepeto. Porém, logo que vem ao mundo é tratado como um herege e é perseguido pelas lideranças de sua época. Estado e Igreja verão, inicialmente, Pinóquio como uma expressão diabólica. Por isso, deve ser combatido, ou educado, o que tem o mesmo sentido já que a educação fascista é sustentada sob bases militaristas de disciplina e hierarquia.

A missão de Pinóquio na Terra logo é desvirtuada por religiosos, militares ou aqueles que veem em Pinóquio a possibilidade de lucro em meio ao seu aspecto inusitado. Do circo ao exército, passando pela Igreja e pela Escola, Pinóquio encontra na sociedade italiana apenas a rejeição da sua subjetividade. Como Cristo, é crucificado, morre, renasce e até abre mão de sua vida eterna para oferecer amor e salvar os homens, um deles em especial: seu criador, Gepeto.

Assim, o longa de Del Toro buscou dar lastro à história de Pinóquio. Não se trata apenas de uma criação despretensiosa de Gepeto que ganha vida por mera “simpatia” feita junto a uma estrela cadente. Seu propósito e toda a relação com a mentira também escapa do moralismo que é forte na clássica animação da Disney de 1940.

A proposta é louvável e realiza uma provocadora caricatura do fascismo e de Benito Mussolini, de forma mais específica. Essa é uma abordagem ainda mais interessante quando se tem em mente o processo mais amplo de expansão da extrema direita nos últimos anos. Em especial, a ascensão de Giorgia Meloni como nova liderança fascista na Itália em 2022, cem anos após a fatídica Marcha sobre Roma de Mussolini.

O propósito, contudo, é insuficiente na tarefa de construir uma narrativa capaz de sensibilizar e envolver o espectador. O prelúdio da história de Carlo, o sofrimento de Gepeto e a criação de Pinóquio são apresentados de modo artificial não tendo força suficiente para produzir empatia no espectador, ponto de partida básico para qualquer outra mensagem que se busque passar a partir de então. É assim que acompanhamos a morte de Carlo e mesmo as várias das mortes de Pinóquio sem que consigamos sentir de modo profundo essas perdas. Todos os “oponentes” também aparecem sem a força que poderiam ter se estivéssemos, de fato, conectados a Gepeto e a Pinóquio.

Nesse sentido, a inevitável comparação com a clássica animação da Disney representa um problema para o longa de Del Toro. Se lá temos o belo desenho de Walt Disney, canções belíssimas – em especial a clássica When you wish upon a star (Se uma estrela aparecer) – e a construção de personagens carismáticos, de Pinóquio ao grilo falante, passando por Gepeto, Figaro e Cleo, aqui os personagens são menos atrativos. A história de Gepeto apresenta o velho “carpinteiro” como alguém amargurado, que sequer é capaz de se empolgar com a vida de Pinóquio. O boneco também é desproporcional, desengonçado e pouco simpático. O grilo, por fim, ganha em realismo, mas perde em carisma na comparação com o personagem icônico de Walt Disney.

Tudo isso se soma ao arco dramático repleto de obstáculos que são sucessivamente criados com resolução apenas provisória produzindo a desconexão do espectador com o filme. Por vezes, tem-se um filme cansativo. A beleza do terceiro ato atenua esses problemas e faz valer a pena a experiência de mais de 2h de projeção. Ainda assim, é necessário reconhecer que o projeto de Del Toro é bastante ambicioso, bem intencionado, mas entrega menos do que se propõe.

NOTA

Author

  • Rodrigo Badaró

    Natural de Belo Horizonte, é Cientista Político (UFMG), cruzeirense, músico e aspirante a crítico de cinema. A maior especialidade está em enxergar a política em todos os lugares, especialmente naqueles que mais ama: o futebol, a música e o cinema.

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One thought on “Pinóquio de Guillermo Del Toro | 2022

  1. Grande análise!
    Também acho que a significância deste longa seja mais contundente que o da Disney! Mas fica a pergunta: se assemelha mais com a obra literárias, ou é uma versão criativa com a cara de Dele Todo!?

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