Os Fabelmans | 2022

Os Fabelmans | 2022

Steven Spielberg, considerado um dos maiores diretores do cinema hollywoodiano, com um nome forte o suficiente para não carecer de dúvidas sobre sua grandiosidade ou a de suas obras, decide fazer um filme sobre parte de sua própria vida e do sonho de se tornar um cineasta. Ora, pode parecer um pouco “canastrona” a construção narrativa de uma semi biografia feita por si mesmo, mas estamos falando de Spielberg e ele definitivamente não decepciona em nada, por mais espinhosa que possa parecer sua escolha em Os Fabelmans

O foco aqui, para além do jovem Sammy, – protagonista que desde criancinha mostra seu apreço pela arte e pelo mundo no cinema – é também na família, no destrinchamento de rachaduras íntimas, cobranças, afeto e a exposição de conflitos que fizerem do menino que brincava de refilmar cenas de grandes filmes com brinquedos em casa, o homem que levou milhões de espectadores a se emocionar com suas obras na tela grande. Spielberg consegue não fazer soar narcisista essa caminhada, pois cada parte de sua relação com o cinema está também em sua relação com a família e com os amigos. 

Os Fabelmans não são uma família excêntrica, como os Tenenbaums de Wes Anderson por exemplo, são uma típica família norte americana, com a figura do pai ausente, Burt (Paul Dano), que trabalha duro e é responsável pelo sustento de todos; Mitzi (Michelle Williams), uma mãe e dona de casa que abdica de seus talentos como musicista para se dedicar aos filhos Sammy (Gabriel LaBelle) e suas irmãs Reggie (Julia Butters) e Natalie Fabelman (Keeley Karsten). Parte da grandiosidade do longa está na perfeita sintonia entre as atuações de Dano e Williams, que interpretam um casal já desgastado pelas obrigações cotidianas, mas que são incríveis parceiros, e de LaBelle, que entrega a energia necessária para nos arrebatar com a encantadora força de vontade de um jovem a perseguir seu grande sonho. 

É através da metalinguagem do cinema e da visão particular das lentes de Sammy para com sua família e colegas de colégio, que Spielberg nos une a ele. O que desperta sua paixão pela cinematografia é quando seus pais o levam para assistir “O Maior Espetáculo da Terra (1952)”, de Cecil B. DeMille, Sammy fica mais alucinado pelo acidente que ocorre entre o trem do circo e um carro, do que com a envolvente trama de romance. Esse encantamento faz com que ele reveja a mesma cena diversas vezes e queira recriá-la em casa com a filmadora herdada do pai. Isso nos indica que, desde cedo, seu fascínio e sua obsessão é com o espetáculo. 

É através da câmera que Sammy percebe o mundo diferente e reconstrói relações. Pela visão distorcida do cinema, ele faz uso da linguagem para se integrar com os novos amigos do colégio e subverter posições desfavoráveis em sua juventude. Não vemos uma visão ingênua em seu olhar cinematográfico, mas sim uma visão que constrói uma narrativa manipulada e intencional, por acreditar na melhor possibilidade de finalização e isso, sabemos, não tem nada a ver com a realidade. Quando Sammy decide fazer um filme sobre seus colegas de classe, ele exalta a imagem do valentão da turma, o transformando em herói. É aplaudido por todos e consegue desfigurar e reconstruir uma imagem, é irônico e espetacular.

Em casa Sammy era desestimulado por seu pai, que não acreditava em um futuro artista, mas acolhido por sua mãe e essa relação afetuosa entre mãe e filho também é amarrada pela imagem. É através de vídeos familiares amadores que Sammy descobre um deslize entre Mitzi e Benny (Seth Rogen), amigo íntimo da família, mas também é por meio de uma bela e encantadora filmagem noturna, onde a família está reunida ao ar livre, que ele capta Mitzi dançando contra a luz do farol de um carro, vestida com uma camisola transparente, em movimentos suaves e hipnotizantes, que ele registra a essência artística de sua mãe. 

Os Fabelmans é um filme fascinante que te suga por completo durante toda a sua duração. Spielberg faz um dos seus melhores filmes dos últimos tempos, através de uma história familiar, que é enriquecida por seu talento em passar emoções sempre de forma grandiosa. Visualmente deslumbrante, as sequências de produção dos filmes amadores de bang-bang são um deleite de assistir e o diálogo intermitente entre a vida e o olhar cinematográfico do diretor fazem valer cada minuto e cada surpresa que ele insere escondida em seu filme, nos permitindo desligar da realidade e sonhar junto com ele um sonho alcançado.

Nota

Filme assistido a convite da Universal, através de cabine de imprensa

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Author

  • Mari Dertoni

    Jornalista carioca, estudou cinema na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, certificada em roteiro pelo Instituto de Cinema de São Paulo. Ama cinema de horror e os grandes clássicos.

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