A Baleia | 2022

A Baleia | 2022
Novo filme Darren Aronofsky volta a falar de fé e religiosidade em um drama com forte apelo emocional

A Obesidade Mórbida, ou de grau III, é uma comorbidade que assola parte da população mundial, especialmente nos Estados Unidos e em A Baleia, Aronofsky escolhe um protagonista que sofre dessa condição. Charlie, interpretado por Brendan Fraser, é um professor que vive recluso após perder seu companheiro e dá aulas de inglês/literatura pela internet, mas nunca liga sua câmera nas chamadas de vídeo por vergonha de sua aparência física.

Charlie é o centro de tudo em A Baleia e a atuação de Fraser faz com que o filme tenha uma carga dramática enorme, que talvez vá para além das intenções do diretor, que enfatiza o trauma e o luto, e todos os artifícios parecem querer apelar para a emoção do espectador, sendo engrandecidos por Fraser. A discussão sobre o sério problema de peso e de saúde de Charlie é apenas um pano de fundo, que para quem já é familiarizado com o assunto, seja por ter algum conhecido que sofra de obesidade (ou compulsões graves) nesse estágio ou por outras vias, entende-se que chegar a um extremo danoso – seja no corpo ou na mente – é geralmente fruto de um autoflagelo, uma punição ou mecanismo de defesa, provenientes de feridas pessoais profundas, e é aí que começam a se desencadear as subtramas de Aronofsky. 

O longa se passa quase inteiramente dentro do apartamento de Charlie. As escolhas de mise en scene inserem o espectador em um ambiente sufocante, a câmera ronda o protagonista fotografando-o em formato 4×3, o que encurta o quadro e amplia muito a forma como Charlie preenche a tela. Ele ocupa quase sempre mais da metade dos quadros, ambientados sob uma luz constantemente baixa, existe uma penumbra e um clima chuvoso hostil em torno de seu apartamento.

O apartamento de Charlie é carregado de coisas, ele mal consegue se movimentar sozinho, precisa da ajuda de um andador ou de sua amiga e enfermeira Liz (Hong Chau). Liz é sua ex-cunhada e constantemente o visita, leva comida e arruma sua casa. O filme usa frequentes referências ao livro “Moby Dick”, obra-prima do romancista Norte-americano Herman Melville, que contém diversas reflexões sobre a condição humana e sobre a loucura que pode decorrer da busca por um objetivo a ponto de se tornar uma obsessão. Essa conexão se dá através de uma redação escrita por Ellie (Sadie Sink), filha que Charlie abandonou na infância e que volta a procurá-lo. Ele, em meio às suas crises respiratórias, achou na leitura repetitiva de um trecho da redação de Ellie uma maneira de conseguir voltar a si. 

Moby Dick”, mais do que uma história que carrega uma solitária busca obsessiva, também levanta muitos pontos de discussão filosófica entre o homem e a religião ou contra ela. Aronofsky então, mais uma vez, após a alegoria bíblica feita em “Mãe!” (2017) e em sua adaptação de “Noé” (2014), retoma o tema que permeia a discussão moral entre divino e mundano. Inserida por meios nada sutis, dessa vez o diretor é explícito sobre a importância da questão no filme. Conhecido por usar muitos simbolismos e metáforas como em Mãe! e Cisne Negro (2010), em A Baleia ele lançou mão da ambiguidade e apresentou suas ideias mais diretamente ao público. Direto na mensagem, porém sem abandonar seus símbolos que já se tornaram uma assinatura: o barulho do mar, a forte chuva e tudo que permeia a relação da casa de Charlie com o mundo, faz soar como se ele fosse, na verdade, o próprio capitão Ahab de Melville, mas neste caso se vingando de si mesmo, com seu isolamento e sua compulsão alimentar.

O filme segue para uma mudança sem volta a partir do momento em que Ellie retorna para a vida de Charlie. Ela se conecta com um jovem missionário que bate à porta de seu pai para falar da palavra de Deus. O jovem Thomas (Ty Simpkins) acredita ter a missão de salvar Charlie e no decorrer de suas visitas cria-se uma súbita conexão entre ele e Ellie. Isso parece apontar um intuito de simples exploração de diálogos sobre religião, o que acaba deixando o filme um pouco fora de seu eixo. Os diálogos soam pedantes e talvez a conexão mais importante tenha sido deixada de lado.  

Aronofsky apela para exposições visuais, cenas que podem causar certa repulsa envolvendo Charlie e a comida, uma relação de auto depreciação, facilitada por Liz, a amiga que o ajuda a não morrer com seus cuidados de enfermeira, mas que também não o ajuda a viver, levando fast-foods e o colocando em uma cadeira de rodas ao invés de o fazer caminhar. Eles nutrem uma relação turva, de carinho e punição ao mesmo tempo, envoltos na enorme dor da perda e de um luto que é sentido por ambos.

 Em seus encontros com sua filha, Charlie acaba adquirindo mais fé na humanidade a sua volta e menos fé no Deus que julga e pune impiedosamente os homens através da religião. A Baleia termina com um otimismo um tanto decepcionante, um pouco cafona – contrariando os finais mais pessimistas dos filmes do diretor – e compromete parte do belo trabalho dramático e muito bem ambientado por Aronofsky. Um fim melodramático e beirando ao metafísico para um filme que quer se sustentar na raiz do drama e da identificação com o espectador, me pareceu forçar a barra um pouco demais.

Nota

Filme assistido via cabine de imprensa por Mari Dertoni

Author

  • Mari Dertoni

    Jornalista carioca, estudou cinema na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, certificada em roteiro pelo Instituto de Cinema de São Paulo. Ama cinema de horror e os grandes clássicos.

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