John Wick 4: Baba Yaga | 2023

John Wick 4: Baba Yaga | 2023

Não são poucos os filmes que trazem no título a proposta de uma continuidade dramática, mas que, na prática, funcionam de forma independente. Um bom exemplo disso é a sequência de filmes de Toy Story. Esse, porém, não é, definitivamente, o caso de John Wick 4: Baba Yaga. O longa apresenta o desfecho da história do assassino de aluguel John Wick (Keanu Reeves), sem, contudo, apresentar ao espectador mais incauto elementos que ajudem a situá-lo diante da longa trajetória do personagem construída ao longo dos três filmes anteriores.

A construção de uma série que depende dos filmes anteriores para dar sentido ao conjunto da narrativa não constitui, por si, um aspecto que deva ser objeto de crítica. Não é, pois, esse o problema fundamental de John Wick 4, mas sim a sua incapacidade de construir uma história capaz de envolver o espectador mais exigente com o seu protagonista. Além disso, o filme usa e abusa das convenções do gênero de ação para suprir lacunas do seu roteiro. Tudo isso sem que se identifique qualquer esforço mínimo para refletir sobre temas mais complexos. Trata-se, assim, de uma obra escapista por excelência.

Uma coisa é certa: ninguém sairá do cinema sentindo falta de mais cenas de ação. Ao contrário, John Wick 4 apresenta ao público em suas quase 3h de exibição cenas intermináveis de lutas que, em certa medida, prestam uma homenagem aos filmes clássicos do gênero e às artes marciais, de forma mais ampla. Nelas acompanhamos o imortal personagem representado por Keanu Reeves sobreviver a praticamente todo tipo de ataque, queda ou atropelamento sem qualquer dificuldade. Inevitável reconhecer a virtuosidade na realização das cenas de ação, tanto do ponto de vista técnico quanto no que diz respeito às atuações.

Além disso, John Wick 4 traz em seu roteiro alguns elementos convencionais que, justamente por serem clichês do gênero, funcionam bem. É o caso de Caine (Donnie Yen), seu opositor que é cego e, ainda assim, um exímio lutador. Também merece destaque o cachorro treinado por Bowery King (Laurence Fishburne), sempre pronto para atacar os testículos dos inimigos, além de muitas outras quebras de expectativa que são eficientes para gerar alívio cômico em momentos diversos. Aliás, o próprio fato de John Wick aparecer ao longo de boa parte da exibição como um personagem infalível termina por dar ao longa uma pitada de humor que melhora bastante a experiência do espectador pouco interessado na exaustiva experiência limitada às cenas de ação que se pretendem verossímeis.

Desse modo, parece possível identificar com clareza um público-alvo de John Wick 4. O longa provavelmente irá atender ao espectador que se satisfaz com a exuberância de grandes cenários ou com a virtuosidade dos efeitos visuais e sonoros. A recepção positiva da crítica sugere que entre os admiradores do gênero e para aqueles espectadores menos interessados em esforços de desconstrução das narrativas clássicas de Hollywood, assistir John Wick 4 pode se mostrar uma boa experiência.

Para aqueles acostumados com as críticas deste autor e a maioria dos textos deste site, contudo, a experiência pode não ser tão agradável. Não é só o gênero de ação, em si, que difere da maior parte dos textos analisados aqui. Assume-se nesta coluna um esforço manifesto de reflexão sobre o cinema compreendendo seu potencial reflexivo e, por isso, transformador. Assim, possui especial interesse esforços de reinvenção da própria linguagem bem como a utilização de uma decupagem mais clássica para provocar reflexões político-sociais. Mas esses não são, definitivamente, objetivos de John Wick 4. Temos aqui uma obra que se limita a reproduzir convenções clássicas para entreter, distrair, ou, se preferirem, escapar à realidade.

Julgar um filme por aquilo que ele se propõe é sempre uma possibilidade à disposição de qualquer crítico. Nesse sentido, seria possível dizer que John Wick 4 possui pretensões bastante modestas e tem relativo sucesso em sua proposta. Por esse critério, seriam justos os muitos elogios que tem recebido. A nosso juízo, porém, para um filme com tamanho orçamento e tendo à disposição o que há de melhor para a produção cinematográfica, ser eficiente em suas singelas proposições não é razão suficiente para que John Wick 4 mereça uma menção elogiosa.

Nota

John Wick 4: Baba Yaga estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 23/03/2023.

Author

  • Rodrigo Badaró

    Natural de Belo Horizonte, é Cientista Político (UFMG), cruzeirense, músico e aspirante a crítico de cinema. A maior especialidade está em enxergar a política em todos os lugares, especialmente naqueles que mais ama: o futebol, a música e o cinema.

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