Guardiões da Galáxia Vol. 3 | 2023

Guardiões da Galáxia Vol. 3 | 2023

A Humanidade dos Desajustados

Há muitas dúvidas sobre tudo que a Marvel Cinematic Universe agregou ao cinema nos últimos anos. Agregou capital, certamente. Salas de cinema são dominadas a cada nova produção, sem deixar espaço para filmes “menores” e de potencial menos lucrativo. Há uma obsessão social e global evidente a respeito de super-heróis, que alcança gerações diversas e esferas para além do cinema – dificilmente haverá uma criança a partir da geração MCU que nunca tenha se vestido com itens dos super-heróis desse universo. Para o bem ou para o mal do cinema, a Marvel está aí com sua fórmula protocolar de dominação dos cinemas e das nossas casas.

Entretanto, negar que nesse universo há riqueza pode soar deveras hipócrita. Enquanto a MCU experimenta um de seus momentos mais duvidosos ao insistir em “vomitar” filmes formulares que estão findando por cansar excessivamente até o espectador mais fanático, James Gunn (que é roteirista de Madrugada dos Mortos) constrói Guardiões da Galáxia Vol. 3 a partir do encerramento de muitos ciclos. Com a trilogia, encerra-se a saga dos anti-heróis como grupo, e fecha-se a contribuição do diretor nesse universo. Para que esse ciclo se feche, Gunn retorna às raízes de seus personagens e de uma certa ingenuidade narrativa. Explorando aqui as origens de Rocky (dublado por Bradley Cooper), Gunn impulsiona o último volume da trilogia não com a salvação do universo, mas sim, com a simplicidade da salvação da vida de um amigo. E acerta.

Acompanhando seus volumes anteriores, cujas narrativas evoluem ao lado da cultura musical setentista e oitentista, quiçá esse seja o filme mais esteticamente rico da trilogia, e o que mais evidencia o tributo, dessa vez, à cultura americana dos anos 90. Não só a trilha sonora dá seu pontapé com uma (ainda mais) melancólica versão acústica de “Creep”, de Radiohead, compondo um falso plano sequência que contextualiza a narrativa, mas todo longa se mostra uma homenagem a, principalmente, o cinema desse período. A narrativa acompanha a grandiosa direção de arte, que é desde muito orgânica quando traz referências à crueza do body horror, com planetas inteiros revestidos por uma espécie de camada de carne viva e pulsante e criaturas animais Cronenbergianas deformadas por experimentos, com permissão, inclusive, para que respingos de sangue robótico escoem de cabeças decepadas, até cidades como as do planeta Contraterra, com casas padronizadas e famílias perfeitas ao estilo “sonho americano”.

Floor (voiced by Mikela Hoover) in Marvel Studios’ Guardians of the Galaxy Vol. 3. Photo courtesy of Marvel Studios. © 2023 MARVEL.

O Vol. 3 encontra espaço, ainda, para passar pela Guerra Fria, através da personagem Cosmo (Maria Bakalova), cão soviético com capacidade telepática, enviado pelo programa russo ao espaço, e que encontra parceria em Kraglin (Sean Gunn).

Esse talvez seja, também, um dos filmes mais sociais da MCU, e certamente o mais melancólico dos filmes da trilogia. O humor ainda está ali em seu tom meio paspalhão, mas Gunn permite que o espectador experimente outros sentimentos. Há muita pieguice nessa composição, mas sua construção funciona pelo tom necessário de despedida. Essa trupe desajustada, formada por seres que foram explorados de todas as formas, alienígenas, animais, árvores e um ser humano abduzido, a síntese do marginal, é o que há, curiosamente, de mais humano na MCU.

Começando e fechando sem compromissos (claro que com cenas pós-crédito), como um filme desvinculado, o grande vilão de Guardiões da Galáxia Vol. 3 é o Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji), cujo ideal é a exploração e construção de seres para formação de uma sociedade ideal. James Gunn consegue contrapor essa busca irracional e a todo custo pela perfeição social ao planeta Nowhere, onde funciona a sede dos Guardiões e é habitado por criaturas das mais marginalizadas e diversas, nos mostrando que sim, essa sociedade de excluídos é a sociedade que funciona. E nela, sempre haverá espaço para que mais seres esquecidos possam usufruir de liberdade e afeto. Há humanidade e esperança na imperfeição, no encontro e no acolhimento de desajustados.

“Essa história era sua o tempo todo.” Além de colocar Rocky como centro, o Vol. 3 nos faz conhecer sua história pretérita através de flashbacks derivados de uma autorreflexão forçada. Não só nós, como espectadores, passamos a conhecer o passado sofrido (que eu não ousaria revelar) de Rocky, mas o próprio personagem passa por um processo de autodescoberta.  

(L-R): Teefs (voiced by Asim Chaudry), Lylla (voiced by Linda Cardellini), Rocket (voiced by Bradley Cooper), and Fllor (voiced by Mikela Hoover) in Marvel Studios’ Guardians of the Galaxy Vol. 3. Photo courtesy of Marvel Studios. © 2023 MARVEL.

O fechamento do ciclo não é perfeito. A despedida e a comoção são inevitavelmente piegas. As piadas e as soluções fáceis de roteiro são menos importantes do que tudo que James Gunn nos proporciona sentir. A exaltação de sensações, por mais clichês que sejam, a beleza das homenagens que faz, e o amor que carrega por si mesmo encaixam e funcionam. A história de Rocky é a síntese de todos os integrantes do grupo. É uma história de perda de inocência e de identidade pela violência que sempre soubemos que era triste. E aqui, o ciclo se encerra com a inclusão de seres que remetem à essa inocência por sua natureza (crianças e animais): a deixa do legado para o novo, ao som de Dog Days Are Over, de Florence and The Machine.

Nota:

Guardiões da Galáxia Vol. 3, assistido por Natalia Bocanera via cabine de imprensa, estreia nos cinemas brasileiros em 04 de maio.

Author

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *