AIR – a história por trás do logo | 2023

AIR – a história por trás do logo | 2023

“Um tênis é só um tênis, até que alguém o calce”: essa frase é repetida várias vezes em “Air – a história por trás do logo”, longa-metragem dirigido por Ben Affleck e que trata sobre todo o período que envolveu a cooptação de Michael Jordan para o rol de atletas patrocinados pela Nike, marca até então com pouca participação no mercado do basquetebol.

Considerar o tema do filme como algo trivial ou sem relevância demonstra desconhecimento em relação à importância do tênis, que em muito ultrapassou os muros do basquete e se tornou um dos mais significativos símbolos de uma geração (ou gerações).

Impossível esquecer, por exemplo, da antológica cena de “Do the Right Thing”, em que um personagem branco, trajando a camisa de Larry Bird (o maior jogador branco da história NBA), pisa no novíssimo Air Jordan de Buggin Out (personagem de Giancarlo Esposito) e como aquilo traz uma sofisticada referência à questão racial norte-americana e a toda uma “cultura das ruas”.

Fazendo o recorte para o Brasil, em  podcasts como o Mano a Mano e o B3+1, ambos contando em seus elencos com membros do Racionais Mc´s,  já houve diversas declarações acerca de como era relevante para o jovem negro da periferia paulista ostentar roupas de certas marcas, como por exemplo Converse, Adidas, Le Coq Sportiff e o próprio Air Jordan, e como estes códigos contidos nas vestimentas e no comportamento, que são simbolizados por estas empresas, marcaram uma geração e uma determinada forma de agir que impactaram (ou até mesmo originaram) fenômenos como o próprio fortalecimento do hip hop/rap na capital paulista. 

O filme dirigido por Ben Affleck conta com o benefício (ou o prejuízo) de contar com um espectador que já sabe o desfecho daquela história. Ainda assim, é notório o êxito do diretor em fazer do filme algo divertido e que mantém o interesse do espectador em seus 112 minutos de duração.  

No que se refere à linguagem cinematográfica, Ben Affleck toma um caminho seguro para contar sua história, não trazendo maiores inovações, o que não impacta seu objetivo de fazer um filme “popular”, um sucesso de público. O elenco conta com várias estrelas, dentre as quais se destacam o próprio Ben Affleck, Matt Damon, Viola Davis e Jason Bateman. Todos atuam de forma competente, tendo Viola Davis se sobressaído no papel da mãe de Jordan.

Na narrativa, Sonny Vaccaro (interpretado por Matt Damon) é um funcionário da Nike responsável por cooptar jovens jogadores para serem patrocinados pela empresa. Assim, roda os Estados Unidos atrás de prospectos que, se patrocinados, poderiam render dividendos ao seu patrão. Contudo, ele possui severas limitações nesta tarefa, sendo as principais o maior poderio econômico das concorrentes, como a Converse e a ADIDAS e também o certo desinteresse dos atletas em associarem-se a uma empresa menor, como era a Nike na década de 1980 nos Estados Unidos.

Em um dado momento desta pesquisa, enquanto analisam os atletas universitários que serão recrutados naquele ano, Sonny assiste a um lance de Michael Jordan, ainda atleta da North Carolina University e, a partir do seu acurado conhecimento sobre o basquete, constata que, mesmo diante de um lance decisivo, Jordan manteve-se tranquilo e foi letal: ele acerta a cesta e faz o seu time ganhar a partida.

A partir dali, quase que como guiado por uma profecia, Sonny Vaccaro estaria disposto a abrir mão de sua carreira, de colocar os empregos de seus colegas em risco e também de causar enormes prejuízos à Nike, para fechar o contrato com aquele atleta. E o faz, ao gastar todo orçamento da empresa para aquele fim, ao violar a ética profissional entre agentes e empresas (dirige-se à família Jordan, mesmo não tendo sido autorizado pelo empresário do atleta), etc. Como o espectador conhece o desfecho daqueles acontecimentos, a tendência é que ele  abstraia todos os riscos que Vaccaro correu (e fez a empresa correr) e passe a vê-lo como alguém de uma coragem ímpar, de irretocável mérito pessoal, alguém guiado por sua intuição e que acredita firmemente no seu trabalho. Aqui, por certo, não há intenção alguma de questionar os métodos por ele utilizados, mas sim, de servir a uma “ode ao mérito” e à livre concorrência mercantil.    

A grande questão do longa é como o personagem de Matt Damon vai, primeiramente, convencer seus colegas da Nike a fazer uma proposta tentadora para Michael Jordan e, em segundo lugar, como convencer o atleta e sua família de que assinar com uma empresa menos poderosa seria mais vantajoso ao promissor atleta. 

A temática central do filme sugere que ele poderia “debandar” para uma grande publicidade para a Nike e isso, de forma ora explícita, ora implícita, se confirma. É no desenvolvimento desta parte do filme que ele se torna extremamente didático, desnecessariamente expositivo. Isso não seria tão ruim caso se dedicasse a certos aspectos desta interessantíssima história, contudo, percebe-se que o longa dedica-se a esmiuçar ao espectador tudo aquilo que o fará aproximar-se da marca; Ou seja, estão ali como publicidade pura. A cena em que os personagens explicam o surgimento da logomarca e os significados dela e do nome da empresa, é algo que beira o constrangedor.

Digo que, se fosse para ser expositivo, que ao menos Affleck tratasse com mais afinco questões que foram muito superficialmente abordadas no longa-metragem e que possuíam notado potencial para enriquecer a trama. 

Primeiramente, a proibição do uso do Air Jordan na liga de basquete americana. Na época, havia uma deliberação da NBA que apenas permitia que os tênis usados fossem predominantemente brancos. O Air Jordan descumpre a regra, tendo a Nike tido a coragem de romper com o “sistema”  (as rigorosas regras da NBA), mesmo submetendo-se a pagar multas advindas desta conduta. Esta transgressão, depois, se mostrou uma das maiores jogadas de marketing esportivo da história, posto que, junto de um rumor de que a proibição, na verdade, ocorria porque o tênis seria tão bom (que daria uma vantagem indevida a Jordan), fez com que se atraísse muita atenção ao produto, o que impactou positivamente em suas vendas. 

Em segundo lugar, embora compreendendo como uma clara opção do roteiro a realização deste recorte focado somente nas negociações envolvendo o atleta e a marca, penso que, pelo fato do filme ser dirigido a um público amplo (e não somente aos que conhecem a história de Jordan), cabia uma exposição maior dos magníficos feitos esportivos conseguidos pelo atleta, terceiro colocado no recrutamento (draft) da classe de 1984, que o fizeram ser o maior jogador de basquete de todos os tempos, tendo conquistado seis títulos da NBA e duas medalhas de ouro olímpicas (para ficar apenas nos títulos conseguidos coletivamente).

Assim, Air – a história por trás do logo possui notórios méritos no sentido de servir de puro entretenimento e saciar algumas curiosidades que parte do público pudesse ter em relação, principalmente, à Nike. Não serve nada mais do que para isso, entreter cooptando (ainda mais) clientela para a empresa ianque. E nisso, não há como dizer que não obteve êxito.

Nota

Author

  • Eduardo Gouveia

    O representante do Pará no Coletivo Crítico que, entre o doutorado em Direito e os jogos do Paysandu, não dispensa uma pipoca para comer, uma Coca Cola gelada para beber e um bom filme para ver.

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