Môa, Raiz Afro Mãe | 2023

Môa, Raiz Afro Mãe | 2023

Para aqueles que não conheciam a transcendentalidade do artista, Mestre Môa do Katendê passou a ser nacionalmente conhecido, infelizmente, quando de sua morte. Aos 08 de outubro de 2018, um dia após o primeiro turno da eleição presidencial que culminou no desgoverno bolsonarista, Romualdo Rosário da Costa, o Môa, aos 64 anos, foi brutalmente assassinado por motivos de intolerância política ao discordar de um votante do candidato que seria, posteriormente, eleito.

Quando Môa, Raiz Afro Mãe, documentário dirigido por Gustavo McNair, começou a ser produzido, Mestre Môa ainda vivia. Muito embora a vida do artista tenha sido interrompida de forma tão assustadora, não é esse o mote do filme. Pelo contrário, se preza a exaltar e celebrar o legado e os ideais deixados por Môa. Não há, ali, espaço para a morte, não há palanque para o assassino e suas motivações. Pelo contrário, há abundância de vida, há festa e ensinamento ancestral.

Gustavo McNair consegue costurar as multifacetadas vertentes artísticas de Môa de forma a construir uma obra dinâmica, fluída, que transborda Mestre Môa para além da pessoa que foi, fundindo-o à sua própria arte, ao espaço que ocupou, aos lugares que passou. Músico, compositor, percussionista, artesão, mestre de capoeira e educador. Todas as expressões do trabalho e vida de Môa são inseridas nesse universo que nasce na Bahia e que escoa para o mundo. Artista e obra se fundem através do documentário para que se dê continuidade ao que ele almejava: a retomada da consciência racial e ancestral africana pelo povo negro.

Perpassando pessoas e artistas que fizeram parte da história de Môa, McNair traz o relato de figuras como Gilberto Gil, Letieres Leite, Lazzo Matumbi, BaianaSystem e Fabiana Cozza, de forma a criar uma linha histórica de seu legado desde seu auge e maior reconhecimento como criador e fundador do Badauê, um afoxé que circulou fervorosamente nas ruas de Salvador entre 1978 e 1992, até seus ensinamentos mundo afora como um dos maiores mestres de capoeira do Brasil.

Se o afoxé é o candomblé de rua, manifestação afro-brasileira que teve origem na Bahia, mas que possui raízes iorubás, Môa, Raiz Afro Mãe faz das ruas personagem. Os depoimentos sobre Môa são colhidos nas ruas. A arte de Môa acontecia nas ruas. Uma força muito natural emanava de sua criação, com capacidade de levar milhares de pessoas à céu aberto para festejar o Badauê. Se o ideal de Môa era a expansão da cultura afro-baiana, ali, nessa rua-personagem do documentário e da vida do Mestre, esse ideal acontecia.

Tal como era idealizado por Mestre Môa, McNair consegue traduzir essa força ancestral não só ao reproduzir, ali, as imagens de arquivo das festas do Badauê e da capoeira, mas também ao trazer figuras da dança que celebra, também, essa ancestralidade na forma de expressão corporal. Há belíssimas composições coreográficas ao som constante do afoxé que fazem ecoar no espectador a potência e o empoderamento dos corpos negros.

Nessa obra tão sensitiva, não poderia haver outro fio condutor que não fosse a música, onipresente, soberana, espiritual, ditando o ritmo de tudo. O projeto cinematográfico nasceu, de fato, em concomitância ao disco Môa, Raiz Afro Mãe, que começou a ser gravado pelo artista com participações especiais e terminou como uma homenagem. Criolo, Rincon Sapiência, Luedji Luna, Chico César, BaianaSystem, Fabiana Cozza são alguns dos nomes presentes.

Muito mais do que celebrar a vida de Môa ou contar sua história, McNair cumpre a missão de transmitir seus saberes. Ante a intensidade das sensações que são causadas com tanta naturalidade pelo filme, é possível concluir que essa missão foi muito bem-sucedida. Môa, “o moço lindo do Badauê”, tal como impressionou Caetano, vive como Encantado, como ritmo transcendental sentido no filme.

Môa, Raiz Afro Mãe estreou nos cinemas brasileiros em 03 de agosto de 2023. Agradecemos à O2 Play pelo convite à cabine de imprensa.

Nota:

Author

  • Natália Bocanera

    Na escassez de tempo, entre advogar e dedicar-se à sua dezena de felinos, escolheu o cinema como ponto de equilíbrio e formação individual do seu "eu", em permanente descoberta.

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