Fale Comigo | 2023

Fale Comigo | 2023

Contatos imediatos com o além

O novo terror da A24, que já traz consigo certo carimbo através do nome da produtora que cria, por si só, um hype em torno de seus lançamentos, se passa em um ambiente adolescente e fala diretamente com a geração millenium, mas resgata nostalgia dos jogos paranormais que fazem contato com o além, tema já explorado em tantos filmes, como por exemplo em “Ouija” (2014), na série de filmes “Sobrenatural” (Insidious) e no clássico “Uma Noite Alucinante – A Morte do Demônio” (Evil Dead, 1981) e suas sequências. Fale Comigo gira em torno de uma brincadeira macabra que conecta uma pessoa ao espírito de um morto através do contato com a mão embalsamada de um falecido médium. 

O filme é dirigido pelos irmãos australianos estreantes em longas-metragens, Danny Philippou e Michael Philippou, que trabalham também fazendo conteúdos para o público jovem no YouTube, ou seja, a linguagem que escolhem utilizar em seu primeiro longa integra e faz sentido com seus universos particulares, eles sabem exatamente para qual público querem falar e fazem uso dessa experiência para abordar assuntos e situações de maneira precisa. 

Fale Comigo explora um tema que não é novidade no cinema de gênero, para quase todos os filmes que envolvem contatos paranormais, existe algum personagem que sofreu uma grande perda e vive um luto. Essa também é a abordagem escolhida pelos diretores, que começam muito bem seu filme com um clima instigante em uma festa na casa de amigos, onde a diversão é interrompida por um surto violento de um dos jovens convidados, fato que é imediatamente registrado por todos em seus celulares, introduzindo assim a “geração smartphone” viciada em compartilhar tudo, que irá compor o núcleo principal do filme. 

O design de som chama bastante atenção em momentos que contém algum tipo de impacto, mesmo o menor dos contatos é bastante destacado pela captação sonora; por exemplo, em uma cena na qual Jade (Alexandra Jensen) leva uma surra de seu irmão Riley (Joe Bird) com um travesseiro, o barulho é amplificado, causando um desconforto em situações que são praticamente sem risco, mas que te fazem dar uma contorcida na poltrona. Isso fica ainda mais intenso e eficiente quando feito em cenas mais explícitas e violentas de verdade. O longa consegue se manter tenso e com momentos que realmente provocam medo sem usar artifícios baratos como o jumpscare; um mérito no cenário de filmes de terror recentes.

A partir do instante em que o grupo de amigos é apresentado ao objeto que conjura espíritos, Fale Comigo se transforma em uma excitante e repetitiva rodada de experiências assustadoras através do contato com os mortos que possuem temporariamente o corpo de quem lhes permite entrar. A sensação de descoberta dessa nova experiência paranormal funciona como uma droga entre o grupo de adolescentes, que parecem literalmente viciados e em uma “chapação” ao viver aquilo, cada vez mais imprudentes e sempre registrando tudo em seus celulares. Raramente temos a interferência de adultos no filme, o núcleo jovem é evidentemente a cara do longa e da mensagem que os irmãos australianos querem transmitir.

Até meados do segundo ato é bastante instigante assistir as reações e as sensações bizarras dos jovens possuídos, porém, Fale Comigo aos poucos, e cada vez mais, volta sua narrativa para a personagem Mia (Sophie Wilde), focando em seus dramas pessoais e se fechando neles, em seu luto pela perda da mãe e conflitos internos como rejeição, sensação de abandono e isolamento. Esse enfoque passa a ser o eixo que vai guiar o filme até o final. Mia é uma protagonista forte que Wilde consegue interpretar com vigor, uma menina cheia de contradições e questões intrigantes, fazendo do filme também um coming of age, mas que para o “terror mais aguardado do ano”, como a própria equipe de marketing o vende, perde a mão na originalidade, passando a ser apenas mais um filme bem feitinho que trata das mesmas questões de sempre.

O ato final se perde e se desconecta bastante da narrativa empolgante que faz parecer que o longa canadense é a nova esperança do terror em 2023. Ainda continuamos com filmes um tanto mornos nesse sentido. Assim como em “O Convento”, lançamento recente que explora um subgênero usando artifícios repetitivos, Fale Comigo não faz diferente ao escolher narrar um drama pessoal mais do que explorar todo o potencial aterrorizante da trama por um novo ângulo. O roteiro vai piorando, passando de maneira superficial por alguns personagens como a própria mãe e o pai da protagonista, optando por individualizar os terrores em Mia e se levando a sério demais nas questões dramáticas. Apesar disso, o longa entrega momentos intensos de tensão, tem bom trabalho de maquiagem e cenas de impacto que vão pegar bem os fãs do gênero, principalmente os mais jovens. 

Nota:

Fale Comigo é distribuído pela Diamond Filmes e chega dia 17 de agosto nos cinemas brasileiros.

Author

  • Mari Dertoni

    Jornalista carioca, estudou cinema na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, certificada em roteiro pelo Instituto de Cinema de São Paulo. Ama cinema de horror e os grandes clássicos.

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