Mais Pesado é o Céu | 2023
Um filme duro, forte e com cara de Brasil: é isto que Petrus Cariry nos traz em seu mais novo projeto, o longa-metragem cearense Mais Pesado É o Céu, um retrato impiedoso da realidade de uma infinidade de pessoas que diariamente lutam para sobreviver em um país que tenta reencontrar seus caminhos.
A trama gira em torno de Antônio (Matheus Nachtergaele), um andarilho que, para retornar ao Ceará, se propõe a limpar a caçamba de um caminhão, repleta de fezes, em busca da boleia. Em seu caminho de volta a uma terra que já não é mais a mesma (Antônio quer ir a Nova Jaguaribara, cidade criada após Jaguaribara ter sido inundada pelo Governo local para a construção de uma barragem), encontra Teresa (Ana Luiza Rios) e uma criança recém nascida, a esmo, no meio daquela árida imensidão. Ali, já surge uma empatia e solidariedade ínsita aos que andam pelo mundo afora sem ter a sensação de pertencimento a lugar algum. Naquele cenário específico também há algo de muito penoso, ambos não possuem dinheiro, no que precisam recorrer a um sem número de estratagemas para conseguir uma quantia que vá lhe fazer sobreviver às próximas vinte e quatro horas.
A partir deste encontro e das andanças, o que se vê é a batalha daqueles dois brasileiros, absolutamente marginalizados, sem empregos, sem instrução formal, sem poder acreditar que seus sonhos um dia serão alcançados. Para além de já terem que contar com o desafio diário de (sobre)viver, ambos ainda são responsáveis por uma vida que depende inteiramente deles: a do bebê.
Antonio e Teresa encontram Fátima (Silvia Buarque), personagem que, por ter tido o desejo (não alcançado) de ter um filho homem, passa a sentir um carinho muito grande pelo bebê adotado pelo casal, chegando até mesmo a batizá-lo como Miguel.
Compadecida do suplício experimentado pelos dois, Silvia oferece-lhes uma casa abandonada, que apesar de ser uma habitação destruída e imunda, já seria algo melhor do que eles tinham (no caso, do que não tinham). Naquele local, Antônio e Tereza passam a viver uma dinâmica que está muito longe de uma “família normal”: não são propriamente um casal, não são pais da criança, não são donos da casa e interpretam “papéis de gênero” diferentes do que é visto na sociedade.
Assim, Antônio cuida de Miguel e dos afazeres da casa, enquanto Tereza vai para a rua fazer o papel de provedor da “família” em busca de emprego. Ela conhece a personagem de Danny Barbosa, quem lhe abraça e ajuda como pode em meio a tanta pobreza e sofrimento. Na busca para sustentar o bebê e Antônio, Tereza passa a se prostituir na estrada, sofrendo toda sorte de humilhações e violências para levantar algum trocado, passar no mercado e conseguir os alimentos do dia. Neste aspecto, há um grande mérito do filme: não há qualquer espaço para julgamentos morais. Irmanados pela miséria, todos os personagens compreendem muito bem o que tem que ser feito para conseguir sobreviver a mais um dia.
Outro grande acerto de Petrus Cariry é inserir no filme uma personagem transexual (interpretada por Danny Barbosa), sem relacioná-la a qualquer estereótipo que seu gênero poderia sugerir, tratando-a de forma igualitária em relação às personagens femininas do longa.
O espaço no qual o filme transcorre é o de aridez e o da desorientação, parece não haver caminhos possíveis, nem haver saída. Naquele desassossego, apenas Tereza consegue reagir, ao que Antônio, guiado pela esperança pueril de que sua vida melhoraria ao trabalhar com um amigo no comércio de caranguejos, não reage, vive no meio de elucubrações de uma vida melhor que teima em não se apresentar.
O filme faz com que o espectador possa se conectar a uma vida que não lhe pertence, fornecendo subsídios para que este mesmo espectador possa construir, a partir da empatia criada com aqueles sofridos personagens, uma empatia também com “pessoas de carne e osso” que “teimam em resistir”.
A escolha dos atores e atrizes parece ter sido feita sob medida: Matheus Nachtergaele e Ana Luiza Rios interpretam de forma excepcional, assim como Silvia Buarque e Danny Barbosa, cujos papéis são primordiais para o bom desenvolvimento da narrativa, tendo dotado seus personagens da força a que é levado a ter quem passa por extremas situações, situações essas que são colocadas de forma crua na tela, com o intuito de inundar a projeção de uma verdade que nem todo mundo quer ver.
A cena final de Mais Pesado É o Céu, sem dúvida, adentrou ao panteão das mais impactantes da história recente do cinema nacional.
Mais Pesado É o Céu foi assistido no 51º Festival de Cinema de Gramado e será exibido na 47ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo.
Filme visto através de nossa cobertura da 47ª Mostra de Cinema de São Paulo, acompanhe tudo aqui