Uma Família Feliz | 2023

Uma Família Feliz | 2023

É bom notar que, cada vez mais, os “filmes de gênero” têm ganhado espaço na produção audiovisual brasileira. Em Uma Família Feliz, José Eduardo Belmonte segue esta tendência, realizando um thriller recheado de famosos artistas do país e que tenta aliar a uma abordagem de diversos temas relevantes, a criação de uma tensão que não se consegue sustentar ao longo da obra cinematográfica. 

O longa-metragem, coproduzido pela Globo Filmes e pelo Telecine, foi exibido pela primeira vez no 51º Festival de Cinema de Gramado e, quando do momento da apresentação do filme para o público, chamou atenção o fato de, por mais de uma vez, a equipe ter mencionado que o filme teria plot twists, que teria cena pós-créditos e, ao final, ter sido realizado um pedido expresso para que os presentes na sessão não contassem, ao sair dali, o final do filme. 

Ora, tal comportamento atrai uma grande expectativa para o que irá ocorrer, ao mesmo tempo que já quebra eventuais (e positivas) surpresas que o público pudesse ter durante a exibição. 

O filme, estrelado por Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini, artistas muito mais famosos por seus papéis na televisão do que no cinema, conta a história do casal Vicente e Eva e de três crianças: Ângela, Sara e o recém nascido Lucas, o único filho do casal, posto que as duas garotas são fruto do primeiro casamento de Vicente, que cedo se tornou  viúvo. A família goza de uma confortável condição financeira e de uma vida tranquila: enquanto ele é advogado, ela trabalha com a produção de bonecas realistas, daquelas que são adquiridas por pais que perderam seus filhos e, no objeto, almejam tentar aplacar a saudade/dor.

Contudo, diversos acontecimentos estranhos passam a ocorrer no interior daquela família, perturbando por completo a pretensa tranquilidade familiar: as crianças da casa começam a surgir com marcas em seus corpos, o que demonstra terem sofrido violência física. E é aqui que reside o grande mote da trama: a descoberta de quem teria sido responsável por tão cruéis ataques.

Como já afirmado, ao meio da criação desta tensão, o filme tenta abraçar diversas  temáticas, no que só o faz de forma superficial, sem o estofo necessário para dar conta de um adequado desenvolvimento destas questões. Além disso, o roteiro e as atuações fazem tudo soar exagerado, o que é fortalecido pela completa falta de química entre os protagonistas.

 É nesta toada que se faz alusões aos comportamentos machistas de Vicente, aos (culturais) papéis de gênero desde a primeira infâncias, a criação de falsas memórias por parte de crianças, depressão pós-parto e à cultura do cancelamento. 

A partir das versões acerca do ocorrido que são apresentadas pelas garotas à escola, a personagem de Grazi Massafera se torna a principal suspeita de machucar as crianças  e, na medida em que a notícia se espalha, passa a sofrer um violento “cancelamento” pela comunidade, no que se percebe marcante influência do longa-metragem sueco A Caça dirigido por Thomas Vintenberg sobre a obra de Belmonte. 

Na tentativa de alongar a apreensão que acredita causar no público, o filme opta pela repetição da violência sofrida por Eva, o que faz com que a obra enfrente um problema sério no que tange ao seu ritmo e a falta de sustentação desta tensão que pretende fazer durar. 

Relevante também se mencionar o citado “desserviço” promovido pela equipe de Uma Família Feliz ao apresentar a obra no Festival de Gramado, posto que, se foi mencionado com furor a presença de plot twists, claro estava que o encaminhamento dado pelo roteiro sofreria uma reviravolta.

Assim, tem-se que, embora a tentativa de se fazer um filme de gênero seja algvo valioso e digno de elogios, Uma Família Feliz não consegue sustentar a tensão que visa promover, seja por conta da “falta de inspiração e de química entre os atores protagonistas, seja pelos atropelos do roteiro que tenta abarcar uma série de relevantes temáticas e não consegue desenvolvê-las e que, quando acredita trazer sua “grande cartada final”, definitivamente não empolga e/ou emociona.

Uma Família Feliz foi assistido no 51º Festival de Cinema de Gramado e será exibido na 47ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo.

Nota

Author

  • Eduardo Gouveia

    O representante do Pará no Coletivo Crítico que, entre o doutorado em Direito e os jogos do Paysandu, não dispensa uma pipoca para comer, uma Coca Cola gelada para beber e um bom filme para ver.

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