A Ovelha de Sada | 2023 | Mostra de Cinemas Africanos

A Ovelha de Sada | 2023 | Mostra de Cinemas Africanos

Tabaski ou Festa do Sacrifício é uma tradição do islamismo que sucede a peregrinação à Meca. Tal como Abraão ofereceu à Deus uma ovelha como substituição à oblação de seu filho Isaac, as famílias muçulmanas criam os animais apenas para sacrificá-los no tempo da festa. A Ovelha de Sada, que marca a estreia de Pape Bouname Lopy na direção, é um filme do Senegal e da Burkina Faso, países majoritariamente muçulmanos, que se volta para dois olhares inocentes: o da criança e o da própria ovelha.

Sada é um menino de 9 anos cuja família cria o animal para o Tabaski. Sem conhecimento dos motivos religiosos por trás da criação, menino e ovelha criam uma conexão e um laço forte e sincero. Quando descobre que sua amiga ovelha será oferecida em sacrifício, Sada desaparece com o animal e perambula pela cidade sem saber muito bem o que fazer além de protegê-la.

A Ovelha de Sada é um filme doce sobre uma bonita conexão entre o menino Sada e sua Ovelha, a quem ele defende com tudo que lhe cabe na posição de uma criança de 9 anos: a fuga e o silêncio diante da incompreensão dos adultos.

A rigidez e a religiosidade cegam o olhar paterno e o impedem de vislumbrar qualquer possibilidade de sentimento honesto entre os dois inocentes. O pai olha a Ovelha, e vê apenas o sacrifício. A mãe de Sada compreende a sinceridade daquela relação, mas naquele contexto de patriarcado, não é capaz de mudar o pensamento do marido.

Lopy pouco precisa colocar em palavras o dilema que se forma principalmente entre pai e filho. Consegue extrair de seus atores um olhar expressivo e comovente que é o bastante para demonstrar a frustração e tristeza de Sada e a franca confusão de seu pai. Sacrificar uma ovelha nos tempos da festa, ter condições financeiras de fazê-lo, é uma questão de honra que o pai almeja que seja compreendida pelo filho. Não fazê-lo pode ter consequências coletivas no que se refere ao olhar dos outros sobre aquela família, e também divinas em razão da desobediência religiosa.

A jornada de Sada, além de dotada de muita doçura, é levemente divertida, sem retirar a seriedade da preocupação do menino. O diretor coloca obstáculos diversos em seu caminho que até podem soar como saídas de roteiro mais evidentes, mas que não incomodam, tamanha a amabilidade da direção, que nos faz compartilhar da apreensão de Sada e sua Ovelha.

Os figurinos conversam muito com o estado de espírito e posição social daquelas pessoas, auxiliando a situá-las naquele contexto. Há muita beleza na forma como veste-se Sada e a Ovelha com as mesmas roupas, e em determinado ponto, Sada e o pai com as mesmas cores, quando começa a haver um entendimento entre eles.

A Ovelha de Sada é um trabalho muito tenro e afetuoso, que consegue ainda se debruçar, com leveza, sobre as motivações religiosas da festa e até que ponto elas se justificam, sobre as estruturas familiares daquele lugar, além de trazer uma inocência muito agradável e gostosa de assistir. Um belo trabalho de estreia do diretor!

A Ovelha de Sada será exibido na Mostra de Cinemas Africanos no dia 17 de setembro, às 18h30, na Saladearte Cinema do Museu (Salvador).

A Mostra de Cinemas Africanos em Salvador acontecerá de 13 a 18 de setembro no Cine Glauber Rocha e na Saladeaete Cinema do Museu. Saiba mais sobre a programação aqui.

Nota

Author

  • Natália Bocanera

    Na escassez de tempo, entre advogar e dedicar-se à sua dezena de felinos, escolheu o cinema como ponto de equilíbrio e formação individual do seu "eu", em permanente descoberta.

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