O Panteão da Alegria | 2023 | Mostra de Cinemas Africanos

O Panteão da Alegria | 2023 | Mostra de Cinemas Africanos

Jean Odoutan é um dos principais cineastas do Benin. Comediante, diretor, ator, compositor, roteirista e produtor, esse multifacetado artista é também criador do Quintessence International Film Festival of Ouidah, que desde 2003 reúne filmes de todo continente africano. Com uma carreira consolidada, Odoutan faz filmes desde 2000. É realmente um privilégio ter acesso às suas obras, e a Mostra de Cinemas Africanos 2023 trouxe O Panteão da Alegria em sua programação, um musical que, como o próprio nome já diz, é carregado de vida e alegria com um sabor, entretanto, um tanto agridoce.

O Panteão da Alegria conta a jornada diária de quatro crianças beninenses que andam pelas ruas do vilarejo em que moram cantando e dançando em busca de algum dinheiro que possa tanto ajudar no sustento de suas famílias, como alimentar o pacto realizado entre os amigos na conquista de um sonho comum: Elysée, Concorde, Placide e Aimé querem guardar o suficiente para ir à França.

Odoutan transita entre a comédia e o musical e acertadamente encontra nas crianças um carisma delicioso e uma naturalidade que imprimem muita leveza ao longa. O tempo todo o diretor permeia a temática do crescimento do número de jovens africanos que arriscam suas vidas para viver na Europa, e o prejuízo imenso suportado pelos países com tais saídas. O cineasta equilibra muito bem essa dura temática e a vida pulsante que emana desses meninos, de suas danças e de suas músicas, sem cair na armadilha da romantização da pobreza.

O Benin de hoje já foi o Reino de Daomé de antigamente. A história do Reino de Daomé e seu exército de mulheres Agojie ganhou evidência mundial em 2022 graças ao lançamento do filme A Mulher Rei, dirigido por Gina Prince-Bythewood e protagonizado por Viola Davis. O Benin foi particularmente castigado pela colonização francesa e pela rota do comércio transatlântico de escravos. Um número gigantesco de pessoas foram deportadas à força do antigo Daomé e enviadas, principalmente, para o Brasil e para o Caribe.

A história já conhecemos, mas necessita sempre ser recordada. Esse castigo reverbera até os dias de hoje. O Benin é um país economicamente pobre e O Panteão da Alegria é uma obra de baixos recursos. A tarefa diária dos protagonistas é ter o que comer.  A referência de sucesso das crianças é um personagem que não vemos, mas ouvimos sobre durante todo o filme, justamente um homem que foi para a França e, por todo dinheiro que conseguiu ganhar, constrói uma mansão no vilarejo, onde reside sua esposa. O objetivo de vida das crianças é fazer o mesmo, extrair dinheiro da Europa e proporcionar uma vida melhor para suas famílias.

Odoutan apresenta primeiro o grupo, para depois individualizar a história de cada um dos meninos. Crianças criadas por avós, mães-solo. Quando há a figura do pai, há o abandono. Crianças com um futuro promissor, mas que  sequer existem porque não possuem documentos, e por isso não podem frequentar a escola. O diretor traz as dificuldades infantis, os fardos cruelmente carregados pelos meninos, e usa da inocência e da doçura dessa mesma infantilidade através das divertidas canções como forma de enfrentamento e de luta.

As ruas compõem quase que a integralidade de O Panteão da Alegria. Isso permite que a câmera de Odoutan transite de forma livre e dinâmica num movimento constante que acompanha os meninos. É uma câmera que vibra com a energia das crianças, que conversa com elas de forma direta, que não se cansa, e que jamais soa aleatória. O diretor muito se utiliza, ainda, da luz e da beleza natural do Benin. Praias e vilarejos em belíssimos tons terrosos permitem a composição de cenas muito bonitas que a criatividade do diretor bem aproveita.

O termo panteão é dotado de alguns significados. Pode significar um conjunto de deuses de determinada religião. Pode ser o próprio templo que abriga esses deuses. Também é usado para designar mausoléus. Aqui, O Panteão da Alegria carrega um significado que talvez eleve as figuras de Elysée, Concorde, Placide e Aimé e os coloque como um coletivo de deuses da alegria. Pode ser, ainda, o pequeno cinema de rua que é palco para a apresentação das crianças, como um templo. De uma forma ou de outra, O Panteão da Alegria é uma obra encantadora, uma homenagem e uma mensagem do diretor aos jovens beninenses para que amem, construam e fiquem em seu país.

A Mostra de Cinemas Africanos 2023 já terminou em São Paulo, mas continua em Salvador até 18 de setembro no Cine Glauber Rocha e na Saladeaete Cinema do Museu. Saiba mais sobre a programação aqui.

Nota

Author

  • Natália Bocanera

    Na escassez de tempo, entre advogar e dedicar-se à sua dezena de felinos, escolheu o cinema como ponto de equilíbrio e formação individual do seu "eu", em permanente descoberta.

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