Está Chovendo em Casa | 2023
Segundo longa da diretora belga Paloma Sermon-Daï, Está Chovendo na Casa foi exibido no Festival de Cannes e recebeu o Prêmio do Júri da Semana da Crítica. Esse drama familiar é uma espécie de coming-of-age desesperançoso, e acompanha os irmãos Purdey e Makenzy (Purdey e Makenzy Lombet, irmãos na vida real), que, abandonados material e afetivamente pela mãe alcóolatra, parecem não ter outro destino que não o de seguir seus passos. Sem poder contar com a mãe e sendo Makenzy um garoto de 15 anos que foi expulso da escola, Purdey, mais velha, lança mão de seus objetivos para tornar-se provedora da família, trabalhando como faxineira e limpando casas de classe média.
O verão caloroso, ensolarado e brilhante reforçado pela fotografia amarelada que serve de ambientação se contrasta com a casa apertada, abafada, caótica e escura dos irmãos. Tal como a casa em decadência, a família que ali reside só se sustenta pelo vínculo de Purdey e Makenzy. Está Chovendo em Casa ganha muito com a excelente química entre eles. Sermon-Daï aposta na intimidade, na troca sincera de poucas palavras e no compartilhamento do sofrimento, consequência da negligência materna.
Nos gestos comuns e nas situações do dia a dia percebemos a tristeza e o desamparo dos personagens. Os irmãos, adolescentes de 15 e 17 anos, dormem no mesmo quarto. O teto do quarto faz chover dentro da casa. O medo da chuva. O garoto, sozinho no lar decadente, não consegue dormir em razão do calor insuportável, liga para a irmã no meio da noite, briga com o amigo porque que não quer lhe emprestar o videogame. Purdey prepara a comida para a mãe e o irmão, mantém a casa minimamente organizada, e limpa as vidraças de casas de famílias que compartilham momentos felizes que lhe parecem inalcançáveis.
As raras ocasiões de afeto familiar são sempre carregadas de uma atmosfera desoladora. Os jantares familiares, onde há alguma troca, são regados de má-alimentação e cigarros compartilhados entre mãe e filhos, e as brincadeiras entre os irmãos geralmente vem acompanhadas de algum fator que remete à ausência da mãe, como fazer compras e se permitir tomar uma espécie de “geladinho”.
O único alento, que reflete um dos contrastes do longa, são as tardes que os personagens passam à beira de um lago, num local que aparentemente é turístico e procurado nos verões. A rotina dos jovens se alterna entre a casa e o lago, e a insistência da diretora em voltar repetidamente ao lago rende tanto cenas bonitas como cansaço do espectador.
Muito embora Está Chovendo em Casa encontre foco nos irmãos, a diretora provoca uma reflexão direta sobre maternidade e paternidade. Os protagonistas são colocados diante de personagens secundários que parecem oportunamente falar sobre seus pais ou seus filhos, recurso que aumenta ainda mais o abismo existente a partir do abandono, e claro, confere um peso dramático ainda maior, mas que culmina em diálogos que soam forçados e artificiais.
Essa discussão bem reflete a intenção da não romantização da maternidade da forma mais dura, mas faz pender um tanto para o julgamento. Julgamos a mãe de Purdey e Makenzy o tempo todo, e a diretora não confere qualquer mínimo background à personagem para ao menos justificar sua ausência além do alcoolismo.
Está Chovendo em Casa aposta no silêncio e na ausência de trilha sonora, bem como na forte e natural conexão entre os atores, para que tudo soe o mais realista possível. Uma jornada de amadurecimento forçada e muito dura, que mantém uma atmosfera que consegue se alternar entre o amargo e o gentil, num ritmo sempre estável que pode pender, por vezes, à monotonia.
Filme visto através de nossa cobertura da 47ª Mostra de Cinema de São Paulo, acompanhe tudo aqui