Estranho Caminho | 2023

Estranho Caminho | 2023

Uma assustadora e afetiva jornada de reencontro

Estranho Caminho parece ser o filme mais pessoal de Guto Parente, diretor natural de Fortaleza, que começou sua carreira fazendo filmes experimentais e é apaixonado por cinema de gênero. Em seu novo longa, expõe parte de sua história em uma homenagem a seu pai. Parente trabalha os aspectos citados acima de forma híbrida em seu quebra-cabeças narrativo, para contar a conflituosa relação entre pai e filho em uma realidade pandêmica, gravada em sua cidade natal, durante o difícil período da epidemia de Covid-19. 

Acompanhamos a chegada de David (Lucas Limeira, Cabeça de Nêgo) a Fortaleza, local onde nasceu, mas que abandona para tocar a vida bem distante com sua mãe, deixando para trás também seu velho pai. David é cineasta e retorna à terras nordestinas para participar de um festival de cinema que acaba sendo cancelado devido à pandemia. O rapaz enfrenta algumas dificuldades ao chegar: falta de assistência e situações perturbadoras de desamparo que são colocadas em tela a partir de uma perspectiva assustadora e obscura. Tomadas noturnas em ruas ermas filmadas de cima para baixo, por entre os fios de alta tensão, unidas a uma densa trilha sonora e cenas que isolam David em uma cidade que sofre com o período pós lockdown, fazem de sua reconciliação com ela uma experiência pouco amistosa. 

Não é só com Fortaleza que o jovem cineasta precisa se reconectar e, mais por uma necessidade do que por iniciativa própria, David procura seu pai, com quem não se comunica há anos. Ao chegar à sua porta, é recebido com um sorriso e pouco entusiasmo por Geraldo (Carlos Francisco, Bacurau, Marte Um). O filho que havia perdido o celular e a reserva do hostel, busca hospedagem na casa do pai, um senhor que vive sozinho em um apartamento apertado, submerso em muitos livros e seu computador. 

O apartamento passa a ser a mis-en-scene que Parente trabalha com mais dedicação, com belos jogos de câmera onde duas pessoas que não parecem compatíveis uma com a outra, precisam conviver e coabitar. David absorve a rispidez de seu pai como alguém que sente saudades, mas tem dificuldade para se expressar, e parece tentar compreender sua necessidade de espaço, mesmo que isso o frustre bastante durante o tempo que passam juntos. Aproveita o espaço da casa para conhecer mais a fundo as complexidades do homem que já não lhe parece mais tão familiar.

Estranho Caminho, por também flertar com a forma experimental do cinema, abre diálogos interessantes de linguagem, que crescem como uma pequena fagulha na linha narrativa, até que se torne um grande fogaréu, quando nos damos conta de sua intenção ao deixar esses vestígios visuais. O que pode parecer desconexo, se alinha. O longa consegue cativar pela complexa reconstrução relacional desses dois personagens que tem seu afeto reduzido pela distância, e o caráter autobiográfico utilizado pelo diretor. Dessa forma, há a valorização incondicional da presença, mesmo em condições inesperadas e pouco favoráveis. O que é “estar presente”?  A presença física e a espiritual por vezes se misturam e a urgência das necessidades da vida, de sobreviver, poder ou não estar por perto para coexistir em harmonia com o outro, podem causar consequências irreversíveis.

Nota:

Author

  • Jornalista carioca, editora e crítica de cinema. Tem foco de interesse e pesquisa em cinema de gênero e feito por mulheres.

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