Névoa Prateada | 2023

Névoa Prateada | 2023

Névoa Prateada, filme dirigido pela holandesa Sacha Polak, parte das marcas do corpo de sua protagonista para tratar as repercussões de uma tragédia familiar que, em muitos níveis, não foi superada. Franky, vivida por Vicky Knight, que recebeu o prêmio do Júri do Teddy Award do Festival de Berlim por sua atuação, é uma jovem enfermeira que vive em situações precárias com a mãe e a irmã, e que há 15 anos busca culpados por um acidente que não só lhe deixou cicatrizes permanentes, mas que vitimou seu irmão. Franky passa a se envolver com a paciente Florence (Esme Creed-Miles), salva a tempo de um suicídio, descobrindo-se sexualmente ao mesmo tempo que tenta lidar com seu passado.

A família de Franky encontrou destruição de muitas maneiras. Individualmente e de forma egoísta, cada uma de suas membras encontra um jeito de lidar com o trauma que afeta a todas, geralmente através da autopunição. A jornada de autodescobrimento e superação de Franky, que vai encontrando afetos que a ajudam a lidar com seus traumas em pessoas para além de seu círculo familiar, seria interessante se não soasse tão perdida em meio à desorganização que se segue.

Há uma perceptível boa intenção da diretora em inserir personagens que estão ávidos por relações humanas minimamente dignas e não abusivas. Entretanto, a intenção passa a soar desesperada quando não há respaldo algum para suas histórias. De forma confusa, Polak quer tanto conectá-los que faz tudo soar artificial e até óbvio. Do primeiro momento que assistimos a interação de Franky e Florence, já sabemos que dali surgirá um relacionamento. Da primeira informação sobre a doença de Alice (Angela Bruce), já conhecemos o seu desfecho. A impressão é que muitas tragédias são ali reunidas, e o que deveria ser um espaço para compartilhamento de afetos em prol da superação acaba não funcionando.

Polak parece querer abordar tantos temas que chega ao ponto da saturação. Névoa Prateada traz, de forma apertada, questões religiosas, LGBTQIA +, raciais, sociais. É triste que tudo se reduza a um retrato fraco e até ofensivo. Não percebe-se ofensivo, mas o é em bom grau, reduzindo personagens a estereótipos, quando, por exemplo, Franky encontra sua sexualidade e assume-se lésbica, imediatamente é expulsa de casa, corta o cabelo, passa a trajar vestes mais masculinas e ainda diz ao ex-namorado que ele “a tornou lésbica”. Preocupante, ainda, como a diretora lida com a conversão da irmã de Franky ao islamismo, assumindo uma personalidade mais fechada e se envolvendo num assalto após a mudança. É incômodo e complicado, ainda, como Alice, uma mulher idosa negra, é relegada a cuidar de duas pessoas (Florence e seu irmão) que não são seus filhos, sem jamais explicar o motivo. É nítido, ali, que a relação entre eles não é maternal, não é familiar. Em que pese haja afeto, soa obrigacional, porém, não remunerada, como se a única personagem negra do filme estivesse ali apenas para servir.

Névoa Prateada rende imagens bonitas e elaboradas com certo rigor, mas esvazia-se e não encontra lugar em si mesmo. Quer falar sobre tudo, não fala sobre nada, e tira as forças da história de superação da protagonista.

Nota

Filme visto através de nossa cobertura da 47ª Mostra de Cinema de São Paulo, acompanhe tudo aqui

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