Pele | 2021

Pele | 2021

As metrópoles são o suprassumo das contradições. Sua imponência aparente esconde as entranhas cruéis de uma realidade suburbana, periférica. Não precisamos de muita disposição para andar um pouco nas grandes cidades brasileiras e perceber as marcas em sua superfície e o que está por trás delas. Os registros estão na sua pele, nas paredes e nos muros, nos gritos e nas propagandas, no movimento frenético de suas ruas. Pele, filme de Marcos Pimentel, busca explorar os cenários de Belo Horizonte, sem tantas palavras, mas com muito a dizer.

O documentário tem uma estrutura aparentemente simples: apontar uma câmera para paredes e muros que carregam histórias da metrópole. Pichações, grafites e propagandas dividem espaço com o trânsito, com o movimento de pessoas indo e vindo do trabalho ou do comércio. Coisas comuns a qualquer grande cidade. O que Pimentel faz com esse material é o que dá um toque especial ao filme. A sequência de imagens e o tom melancólico da trilha sonora constroem um forte traço narrativo que recai sobre os problemas mais íntimos do povo brasileiro.

Ao mesmo tempo em que um grande outdoor estampa a riqueza de uma marca, a seus pés um jovem sofre com a vida nas ruas. Talvez a maioria das pessoas ignorem um sujeito como esse na calçada, mas as paredes da metrópole gritam sobre isso há muito tempo.

Já nos primórdios da humanidade criamos o hábito de escrever e desenhar nas paredes das cavernas nosso registro de vida. Na complexa sociedade em que vivemos hoje não seria diferente. Aqueles que são relegados às margens da cidade buscam formas de serem vistos e ouvidos. Escrevem seus nomes, frases de efeito, fazem arte. Aliás, a beleza da arte urbana fica evidente em Pele quando vemos as mais variadas formas e estilos que habitam os muros.

A câmera de Pimental sente um magnetismo com a pele das cidades. A contradição de que falamos também se expressa nas escolhas do diretor em filmar as paredes quase sem movimento de câmera ou totalmente paradas, mas cortadas pelo tráfego de carros e de gente. É como se o espectador fosse colocado pedagogicamente diante da arte urbana: veja, contemple, dedique um tempo para pensar o que significam esses sinais. O que falam os muros?

Passamos por desenhos de crianças e os reflexos da cidade sobre elas. Vemos a luta do povo negro contra a opressão estrutural sentida profundamente nas metrópoles brasileiras. Também podemos ver mensagens de amor, de fé e de ódio. Em alguns momentos podemos até ouvir vozes extradiegéticas que invadem aquelas imagens, como se elas saíssem da superfície da cidade. Gritos por justiça a Marielle Franco e um sonoro “fora Bolsonaro” entoado nas ruas de todo país adornam emblemáticas mensagens nas paredes.

Pele é um filme curto, porém carregado de significados. Como um dos escritos em um muro, é preciso “ocupar as cidades”, e o Cinema também pode fazer isso. Pimentel luta contra a higienização da metrópole vista no mainstream para mostrar os dilemas de Belo Horizonte (e de muitas outras cidades brasileiras). Quando o diretor coloca performances artísticas em frente aos grafites, cria uma ruptura do movimento frenético daquele lugar, nos colocando em um tempo de ressignificação, de olhar ao passado e lembrar das vezes em que ignoramos essas mensagens. É impossível sair da sessão de Pele sem andar pelas ruas dando mais atenção ao que se vê.

Por mais que se derrubem as paredes, que tentem “limpar” o ambiente, é preciso resistência para que o povo seja visto. O que Pele quer é mostrar que devemos pensar sobre a cidade, não só aquela feita para as elites, mas essa outra que é jogada para debaixo dos panos. Apaguem a pichação e outra será feita.

Pele foi visto através da cabine de imprensa da Sinny Assessoria, distribuído pela Embaúba Filmes.

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