Uma Canção Melancólica | 2023
A adolescência é um período onde a grande maioria das pessoas descobre coisas que pertencem ao universo adulto, onde começamos a querer deixar as coisas de criança de lado. Geralmente a partir dos 10 até os 19 anos, comportamentos infantis vão perdendo espaço e se transmutando em descobertas que levam ao amadurecimento. Liu Xian (Meijun Zhou) é uma menina de 15 anos, em meados de sua adolescência. Ela vive com a mãe, médica e divorciada de seu pai, com quem perdeu contato há anos. A relação bem próxima entre mãe e filha e sua criação sem a figura masculina, talvez faça de Liu Xian, que é ainda mignon e de baixa estatura, uma figura frágil. Uma Canção Melancólica, filme da diretora chinesa Zihan Geng, retrata um período que vai ressignificar a vida dessa adolescente, a partir de experiências pontuais que mudam sua vida.
A mãe de Liu avisa a filha, sem muitos rodeios, que precisa se ausentar por um ano para cumprir uma obrigação profissional na África. Logo em seguida, ela informa a menina que nesse período ficará aos cuidados do pai. Seu pai mora em outra cidade e é dono de um estúdio fotográfico em crise financeira, local também usado como residência. Liu é uma menina quieta, introspectiva e que, por alguma razão, come pasta de amendoim mesmo sabendo que vai ter uma reação alérgica, talvez por já sentir que sua mãe iria partir e os desconfortos que isso lhe acarretará.
Ao chegar na casa do pai, tudo parece estranho, e é. Liu se depara com diversas fotos de modelos penduradas na parede e encontra em seu novo quarto um ambiente caótico, escuro e desajeitado. Seu pai tem uma personalidade peculiar, brincalhona e espalhafatosa, o exato oposto de sua filha. Ele está sempre ocupado e tentando agendar trabalhos, ignorando as necessidades de Liu e pouco fazendo-a se sentir, de alguma forma, em casa. Parece que não há como a menina ficar à vontade naquele ambiente até a chegada inesperada de Jin Mingmei (Huang Ziqi), uma jovem modelo, muito bonita e que chama atenção de todos. Jin é mais velha e frequenta o estúdio, às vezes acompanhada de sua mãe, que se relaciona com o pai de Liu.
Jin, a moça com cabelos metade descoloridos e um senso estético cheio de personalidade, adota Liu como uma irmã mais nova e as duas passam a sair juntas pela cidade. Jin a apresenta a seu ciclo de amigos, todos mais velhos do que Liu, eles passam a se divertirem juntos, comer, jogar cartas. Todos os rapazes parecem flertar com Jin e isso chama a atenção de Liu. A menina passa a enxergar a nova amiga como uma espécie de musa e essa visão de extrema admiração e desejo cresce rápido como um furacão dentro de Liu. Aos 15 anos estamos abertos a nos conectar com o novo e qualquer fagulha que se acenda dentro de nós, geralmente vinda de pessoas que consideramos inspiradoras, pode passar a fazer parte de algo muito maior do que possamos imaginar.
A intimidade entre as duas meninas aumenta, elas já sentem que podem confidenciar dores e conflitos mais profundos, como o conturbado relacionamento de Jin com sua família. Liu passa a reproduzir alguns comportamentos de Jin, parece que sua cabeça está virando do avesso e se abrindo para uma paixão, algo que nunca havia sentido antes. A menina comete alguns atos inconsequentes para tentar ajudar Jin, como tentar vender a lente do pai para conseguir dinheiro para ela, ou tentar seduzir um colega de classe que gostava dela.
Ao mesmo tempo que Jin segura Liu pela mão e parece retribuir o carinho que recebe da menina, ela também se mostra uma mulher bastante livre e sem pudores, se envolvendo com caras mais velhos, homens casados e certa vez comenta com Jin “Seu pai é uma figura, se ele fosse 10 anos mais novo, eu ficaria com ele”. As visões do que significa a relação entre as duas, começam a ficar turvas e dissonantes para cada uma e nesse jogo de conquista, a menina cresce e se impõe, mostrando o que quer, com uma aura bastante sexy, tenta conquistar sua musa só para si.
Mesmo sabendo que não há muita chance de algo dar certo, Jin espreita a amiga, cuida dela, está sempre disponível em uma posição de admiração e desejo. Com o passar do tempo, a relação com seu pai melhora e ela aprende a gostar e a aprender com ele e vice-versa. Ele é um solteirão que não tem mais tempo de se ressentir com o amor, e a filha, que está começando a vida, ouve o pai quando providencialmente ele diz: “Amor e mágoa são a mesma coisa, os dois são inesquecíveis”.
Uma Canção Melancólica é um filme sobre o apavoramento do primeiro amor, da primeira obsessão e trata de uma maneira fluida da descoberta da sexualidade entre meninas que se gostam e se ajudam, sob o olhar feminino da direção. Tudo isso ancorado por uma fotografia que muitas vezes passa aspectos visuais de um sonho, com uma aura de encantamento interessante e delicada.
Filme visto através de nossa cobertura da 47ª Mostra de Cinema de São Paulo, acompanhe tudo aqui