Maestro | 2023
A relevância da criação de Leonard Bernstein é incontroversa. O maestro revolucionou os musicais no Cinema com Amor, Sublime Amor, compondo, em conjunto com Stephen Sondheim, canções que permanecem muito vivas, perenes em nosso imaginário e subconsciente. Mesmo aqueles que não conhecem, exatamente, o filme ou o próprio músico, já ouviram, em algum momento de suas vidas, a belíssima e clássica Maria, já regravada em muitos contextos. Bernstein está sempre presente de alguma forma. A recente adaptação de Steven Spielberg reavivou o clássico musical e trouxe “Lenny”, como o maestro era chamado, de volta ao foco, culminando com Maestro, novo filme da Netflix dirigido, atuado e coescrito por Bradley Cooper, e coproduzido também por ele, o próprio Spielberg e Martin Scorsese.
Maestro já foi pensado para a grandiosidade (veja a importância dos nomes envolvidos em sua produção). Bradley Cooper, que se afirma cada vez mais como um artista multifacetado e respeitado nos Estados Unidos, vem se tornando um queridinho das premiações, e é certamente pensando nelas que ele estrutura seu filme. Nos faz acompanhar a vida de Leonard Bernstein (Bradley Cooper) da juventude à velhice, mas divide o protagonismo do músico com Felicia Montealegre (Carey Mulligan), atriz costarriquenha-chilena que foi sua esposa de 1951 até sua morte, em 1978.
Cooper faz uma repartição de Maestro com bastante distinção. A demarcação de tempo óbvia entre o preto e branco e o colorido é usada com inteligência e inventividade, trazendo o duotone e um interessante jogo de luzes para compor, em contraste, a parte mais vivaz da vida de Bernstein. Sua bissexualidade, sua abertura e necessidade de amor livre, a ascensão de sua carreira e o encontro com Felicia são retratados nessa primeira parte com muita beleza e uma câmera até bem poética, onde o romântico chega a atingir o onírico, principalmente em razão dos (poucos) números musicais inseridos e da trilha sonora, composta por músicas do próprio Lenny, posicionadas com estratégia. Há um sonho a ser atingido pelos personagens, e o diretor consegue transmitir bem esse crescimento conjunto do casal, tanto em suas vidas pessoais como em frente às telas, já que ambos eram figuras públicas.
Esse crescimento conjunto, porém, logo coloca Felicia como degrau, repetindo a fórmula cinematográfica de biografias de homens brancos que se tornaram gênios (por exemplo, Oppenheimer). Na segunda demarcação de Maestro, onde usa-se o colorido para falar de fases mais conturbadas de sua vida, Cooper não coloca Felicia exatamente em segundo plano, ela continua dividindo o protagonismo de tela e de importância. Mas é posicionada no lugar que, nós, mulheres, sempre somos colocadas: Felicia precisou abandonar a carreira de atriz para cuidar do marido gênio e dos filhos, abdicando de sua felicidade em prol da genialidade do homem. Do sonho partilhado de outrora, Felicia ganha um tom amargo e sofrido enquanto assiste ao marido no auge de sua carreira e usufruindo com liberdade de sua sexualidade. A retomada de sua felicidade virá seguida de maior sofrimento, o que torna tudo um tanto exaustivo se consideramos a repetição dessa história.
Toda inventividade e vida que Cooper consegue imprimir na primeira parte, se perde bruscamente na segunda, e isso não se deve, unicamente, ao tom mais duro e realista da narrativa. Essa vida que se perde é a cinematográfica. Parece que toda criatividade do diretor foi direcionada e nada sobrou para o restante de Maestro, que assume uma estrutura bem mais protocolar e dramática. O que antes era um todo uniforme torna-se dependente das atuações de Bradley Cooper e Carey Mulligan, com bastante exagero do primeiro, mas muito equilíbrio da segunda. Até a trilha sonora parece não se encaixar mais, e a introdução do prólogo de Amor, Sublime Amor, soa estranha e descontextualizada.
Bradley Cooper fez a decente escolha de não tornar Felicia Montealegre uma coadjuvante da vida de Leonard Bernstein, focando mais na dinâmica do relacionamento deles do que na carreira e criações propriamente ditas do músico. Talvez o grande problema do diretor, após o belíssimo primeiro ato de Maestro, seja estar por um fio de tornar-se um realizador deveras arrogante que dá espaço a si mesmo para brilhar e suar em tela, numa atuação espalhafatosa com cara de premiação, esquecendo-se de sua própria proposta. Maestro é um bom filme, mas não é equilibrado. Ainda bem que temos Carey Mulligan para contrapor toda a burocracia que vem após a bonança.
Maestro estreia nos cinemas em 7 de dezembro e integrará o catálogo da NETFLIX em breve.