O Desafio de Marguerite | 2023

O Desafio de Marguerite | 2023

Um estudo de personagem feminino, sobrevivendo em meio a masculinidade do habitat acadêmico na França

Marguerite, interpretada por Ella Rumpf (Raw, 2016), é uma garota prodígio. Estudante em uma conceituada escola de matemática na França, ela transmite um ar sério, com uma rigidez e a introspecção típicas do estereótipo do nerd, que não liga muito para a aparência, nem para as relações pessoais, adotando uma atitude mais anti social em prol da dedicação aos estudos. A diretora francesa Anne Novion, aponta sua câmera para a realidade de uma mulher inserida em um universo que exala masculinidade. O Desafio de Marguerite é um romance que beira ao melodrama, mas é também um estudo dessa personagem feminina, dentro de um ambiente acadêmico regido por homens.

A protagonista está, desde o começo do longa, inserida em um contexto opressivamente masculino. Ela é rodeada por rapazes e por seu orientador, Werner (Jean-Pierre Darroussin), um matemático bem mais velho e experiente, que desenvolve paralelamente o próprio estudo, e que vê em Marguerite um grande potencial. Ele a incentiva até o ponto em que, ao expor sua teoria em uma apresentação em sala de aula, um dos estudantes aponta um erro em suas equações, invalidando todo seu trabalho. Essa foi a primeira vez que Marguerite prestou atenção em Lucas (Julien Frison) e foi a última vez que teve o suporte de Werner. Esses dois homens vão fazer parte dos eventos que enredam os caminhos de Marguerite daí em diante.

Com o choque da decepção por ter falhado em sua apresentação, e por consequência disto, perceber uma rejeição vinda de seu orientador, que decide se retirar da função, Marguerite se isola e decide largar a vida na universidade. Ela é uma jovem solitária e que vive longe da mãe, que é professora de matemática e a incentiva na carreira acadêmica. Temendo por uma relação conflituosa com a mãe, a jovem decide primeiramente ocultar sua decisão de largar a matemática e começa a dividir um apartamento com uma nova amiga. Aos poucos Marguerite vai descobrindo o que é autonomia e independência, e o contato com a figura feminina de sua amiga, que é dançarina e uma pessoa livre sexualmente, a faz abrir os olhos para um mundo completamente novo. Marguerite começa a sair para fazer atividades sociais como ir a uma boate, olhar para sua própria aparência e querer se sentir desejada e atraente.

A narrativa pode esbarrar em alguns clichês pelo caminho e soar boa parte como filmes como “Uma Mente Brilhante” (2001), focando na obsessão pelos números, transformando cada centímetro do quarto de Marguerite em uma lousa completamente abarrotada de cálculos, por exemplo. Mas é interessante observar que ela segue por outras vias, e apresenta um olhar feminista a respeito das mudanças que ocorreram na trajetória da jovem protagonista. Diante da decepção que Marguerite sofre, ela passa a depender menos da aprovação masculina de Werner, que parece subjugá-la por seu gênero certas vezes, e a se sentir mais confiante em desafiar novos rumos em seus estudos longe de seus colegas. Marguerite era a única figura feminina em sua classe, é notório o destaque opressor que a direção de Novion dá ao vermos a jovem fazendo sua apresentação rodeada de muitos homens que a cercam e a avaliam de cima para baixo na arquibancada da sala. Ter um erro apontado nessa situação, a destruiu por dentro, mas seu afastamento e o contato com a figura feminina de sua nova amiga, a reconstroem como mulher. 

Marguerite passa aos poucos a se ver mais como uma figura feminina e enxergar seus desejos, e menos como uma figura neutra, que não olha para os lados e nem para si mesma. Corroborada pelo questionamento de sua amiga: “Você olha para os homens? Como você vai saber se eles estão olhando para você?”, ela acaba encontrando em Lucas, o rapaz que apontou seu erro em sala, um novo parceiro e um incentivador para voltar aos estudos matemáticos. Processo que exigiu de Marguerite uma mudança de perspectiva sobre suas condutas anti sociais. É um desenrolar de amadurecimento, onde Marguerite passa a tomar decisões com mais coragem. É usando as ferramentas de um coming of age, que a diretora faz com que percebamos o quanto a protagonista cresce dentro da trama. 

Buscando achar as respostas para seu teorema matemático e se afundando em estudos que a levaram a sentimentos oscilantes de grandeza e fracasso, Marguerite encontra muito mais de si mesma, seu primeiro amor, seu primeiro orgasmo e o despertar de sua personalidade. Ela, lentamente, consegue ver seu valor nos olhos de Lucas, enxergar a pessoa complexa e interessante que é, através das experiências que vivem juntos nessa saga pela fórmula perfeita. É bacana perceber que O Desafio de Marguerite, afinal, não é um filme sobre a mente de uma garota prodígio, mas sobre suas descobertas pessoais.

Nota:

O Desafio de Marguerite foi assistido via cabine de imprensa, distribuído pela Synapse Distribution

Author

  • Mari Dertoni

    Jornalista carioca, estudou cinema na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, certificada em roteiro pelo Instituto de Cinema de São Paulo. Ama cinema de horror e os grandes clássicos.

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