Priscilla | 2023

Priscilla | 2023

A admiração incondicional e uma vida com angústias
e isolamentos de Priscilla Presley pelo olhar de Sofia Coppola

Não é tarefa fácil ser a mulher de um astro do rock e Priscilla, antes de ser uma mulher, foi uma menina, bem mignon e delicada, que prematuramente encantou os olhos afiados de Elvis Presley, um dos maiores artistas da música de todos os tempos. Ainda lidando com o período escolar e com as preocupações de uma menina, a jovem doce e sonhadora tem sua vida completamente transformada quando Elvis passa de um ídolo adolescente a um pretendente real à sua frente. Em Priscilla, Sofia Coppola trata de desencaixotar a vida dessa menina que aprende a ser mulher e a amadurecer longe de seus pais e ao lado do homem que a escolheu.

As escolhas de Coppola, baseadas no livro escrito por Priscilla Presley “Elvis e Eu”, uma autobiografia que conta relatos da vida a dois e a jornada conturbada do casal, são fiéis à obra e à aprovação da própria Priscilla, que assina a produção executiva do longa. Cailee Spaeny (Maus Momentos no Hotel Royale) e Jacob Elordi (Euphoria), atuam como o casal Presley. Spaeny está brilhante, a atriz surpreende pelo pouco tempo de carreira no cinema, conseguindo traduzir todo o encantamento genuíno de uma jovem apaixonada que está disposta a ceder aos caprichos de seu amado.

Trabalhando com muitos planos abertos, Coppola nos dimensiona acerca de toda a grandiosidade em torno de Priscilla. Ao sair da casa dos pais para viver com Elvis, seu lar passa a ser uma luxuosa realidade a qual a menina não estava habituada. Ela, sempre bem comportada e usando roupas discretas (mas com a sofisticação de uma boneca de luxo), se deslumbra em um novo ambiente. A casa é enorme e conta com funcionários a sua disposição, governantas e pessoas que ajudam a preencher os dias em que ela acaba ficando sozinha, diante das constantes ausências de Elvis.

As frustrações de Priscilla começam a aparecer quando ela percebe que, mesmo bem amparada e cuidada, fica sem o bem mais precioso para ela. Elvis está sempre ausente, em turnês e shows fora do estado, fazendo viagens sem incluir Priscilla, mesmo sob seus pedidos insistentes. O Rei do Rock nunca está por fora dos tabloides, e ela tem que lidar com manchetes de jornal que indicam romances de Elvis com outras mulheres e estrelas da música, como Nancy Sinatra. Priscilla, dentro daquele enorme casarão, impedida de se expor demais, para evitar a falação da vizinhança, soa como um bibelô, um capricho de Elvis, uma lolita solitária posta em modo de espera. 

Priscilla

Apesar da solidão que o longa reflete sobre a realidade de Priscilla, a menina (ainda entre 15 e 16 anos) se dedica o melhor que pode às obrigações que são impostas a ela, condições que seus pais e Elvis combinaram para que fosse permissivo o romance. A menina deveria completar os estudos, manter uma boa média de notas na escola e Elvis, como uma regra pessoal de segurança, nunca ultrapassou limites sexuais com Priscilla antes de ela completar sua maioridade. Um fardo a mais na cabeça da jovem que está explodindo de desejo por eu lindo namorado, sem poder, de fato, tê-lo. 

Conforme os anos vão passando, a menina se torna mulher, ganha mais confiança em si mesma e aprende, a passos lentos, a reclamar de suas insatisfações. É um tanto angustiante a postura submissa que sempre vemos Priscilla diante de Elvis. Ele interfere na cor de seus cabelos, seu penteado, no tipo de roupa que ela deveria vestir, passando por cima de suas preferências pessoais para satisfazer ideais masculinos e caprichos, como se ela fosse, novamente, uma boneca. O interessante é perceber que essa relação, mesmo pesando bem mais para Priscilla, é retratada principalmente com carinho, com um olhar sempre afetuoso da protagonista, o que nos faz crer que o rockstar foi (e sempre será) o grande amor da sua vida. 

Coppola usa uma linguagem clássica e um olhar delicado ao retratar aspectos íntimos de um relacionamento que passa por diversas nuances entre o público e o privado, utilizando a mise en scéne para destacar o isolamento de Priscilla, e trabalha com escalas para dar a dimensão de sua solidão. Trata com delicadeza os ambientes preenchidos pela pequenina protagonista, que esbanja uma singeleza e fragilidade que aos poucos ganha solidez e força. Partindo de uma biografia, a diretora respeita o olhar da autora, por mais controverso que ele possa parecer. Tendemos a querer nos solidarizar com Priscilla, mas ela não chega a vilanizar seu marido. O longa eterniza na telona um romance contado do lado de dentro da história.

Nota:

Filme assistido via cabine de imprensa no Festival do Rio, distribuição da MUBI Brasil

Author

  • Jornalista carioca, editora e crítica de cinema. Tem foco de interesse e pesquisa em cinema de gênero e feito por mulheres.

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