Wonka | 2023

Wonka | 2023

Sempre gosto de pensar na função e impacto social do Cinema para além de ser expressão artística ou de entretenimento. Ao desenvolvê-lo, descobrimos que o Cinema é fortíssimo instrumento de fim político, emocional, psicológico, gerador de empatia e repulsa igualmente. Abala e fortalece na mesma medida, é fato. Assistimos filmes para nos emocionar, chorar, como fuga ou busca da realidade. E para nos encantar. O Cinema como encantamento advindo da imagem manipulada é possível. Wonka, dirigido pelo britânico Paul King (Paddington) é puro deslumbre e encantamento extraído da inocência, da força e do permissivo de simplesmente ser sonho, atributos alcançados de forma muito particular pelos musicais (leia sobre musicais aqui).

É uma responsabilidade e tanto assumir o compromisso de entregar ao mundo um novo Willy Wonka. Uma história já conhecida, um personagem já muito presente em nossos imaginários, como Gene Wilder ou Johnny Depp. Wonka já nasce pré-julgado, com expectativas e suspeitas. Paul King opta por trabalhar com a juventude e início de carreira do personagem, colocando o gênio do chocolate para vender sua obra nas ruas de uma cidade já dominada pelos melhores do mundo. O diretor confia a Timothée Chalamet a missão de viver o ícone excêntrico, e escolhe caminhar por um terreno que ele conhece muito bem desde Paddington: o do cinema infantil que acolhe a família toda. King acerta precisamente.

O primeiro grande acerto de Paul King foi manter a distância e o respeito pelas histórias de Willy Wonka que vieram antes. Não depende e nem quer se assemelhar às A Fantástica Fábrica de Chocolates de Mel Stuart ou Tim Burton, conseguindo fazer uma obra de vida própria. Timothée Chalamet compreendeu bem a proposta e nos trouxe um protagonista bastante diferente dos seus anteriores. Sua construção nunca remete ao Wonka irônico de moral duvidosa que já conhecemos. Apresentá-lo em sua juventude facilita esse positivo desprendimento, que proporcionou à Chalamet arquitetar seu próprio personagem com maior liberdade.

Em Wonka, somos apresentados a uma versão Willy sonhadora, simples e que passa muito longe da arrogância.  O diretor consegue inserir em seu filme um sistema político onde os poderosos mantém os seus privilégios às custas dos mais pobres, colocando o protagonista como base dessa pirâmide. Willy Wonka é um gênio, um inventor sem precedentes, mas ainda assim é um jovem órfão, desempregado, pobre e iletrado que precisa vender chocolates para, além de realizar um sonho, sobreviver. Sua ingenuidade de menino do interior, de elegância surrada, que vem para a cidade grande em busca de uma vida melhor logo vai o colocar em ciladas de natureza social (como o trabalho escravo) das quais ele, ao longo do filme, precisará se livrar. Wonka é, no fim das contas, essa sonhadora tentativa de inversão da estrutura de poderes que permeia o contexto social, envolvendo, da forma mais divertida possível, não só os poderosos do capital, mas também da igreja (e jamais revelaria spoilers deste ponto, que envolve Rowan Atkinson e que é um dos mais espirituosos do longa).

Toda construção estética de Wonka consegue caminhar bem entre o musical clássico, com evidentes inspirações em Mary Poppins, e o cinema infantil e todas as suas possibilidades, de forma assumida. Não é exatamente um filme de temática natalina, mas perfeitamente se encaixa nessa linha, por sua época de lançamento e por elementos de trilha sonora e direção de arte, como sininhos e o cair da neve, que são típicos de filmes britânicos do gênero. King nunca perde a leveza, o humor tranquilo e o olhar doce na condução de seu musical. Os números são deliciosos e divertidos de se ver, como cores que vibram, mas que nunca são extravagantes demais. O diretor insere flashbacks pontuais através de uma óbvia, mas bonitinha homenagem à arte de fazer cinema, modulando a imagem a partir da manivela que faz o rolo do filme girar.

É mesmo um presente que Timothée Chalamet tenha finalmente tido a oportunidade de se mostrar aos musicais. O ator, que vem do remoto espaço de fazer rap em seus tempos escolares, possui uma voz belíssima e muito carisma, estando muito confortável no papel, sendo ótima essa certeza de sua versatilidade, já que geralmente transita por personagens mais contidos e menos expansivos. O diretor favorece o calor trazido por Chalamet o acompanhando com uma luz quente ao fundo a cada ideia que tem (e são muitas), não se esquecendo da importância da história que quer contar.

As referências mais explícitas do diretor ao filme de 1971 soam mais como uma homenagem respeitosa que ainda assim assume suas próprias rédeas. É impossível, claro, se desprender totalmente. Oompa Loompa e Pure Imagination estão presentes, este último funcionando como ápice emocional e muito bem-vindo ao filme. Hugh Grant vive o homenzinho laranja que teve seu cacau roubado com pouca pretensão, mas o ator possui um timing tão bom para comédia e ironia que dificilmente não agrada.

Wonka não é, definitivamente, um filme sobre uma fábrica de chocolates. É sobre um trabalhador que quer ganhar seu pão e vender chocolates de qualidade a seus iguais, outros obreiros e membros do povo, e que por isso é oprimido e perseguido pelo poder e pela polícia. “Chocolate bom até demais, até os pobres podem comprar”, é como o trio de poderosos define o talento de Willy, como direito a uma divertida e afetada exposição da repulsa deles, especialmente, pela palavra “pobre”. Assumir a afetação, o sonho e a inocência foi a melhor escolha de Paul King. Wonka melhora o dia e deixa pessoas mais felizes como só o cinema conscientemente ingênuo consegue fazer.

Que bom presente aos nossos tempos!

Wonka está nos cinemas de todo Brasil!

Author

  • Natália Bocanera

    Na escassez de tempo, entre advogar e dedicar-se à sua dezena de felinos, escolheu o cinema como ponto de equilíbrio e formação individual do seu "eu", em permanente descoberta.

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