Os Rejeitados | 2023

Os Rejeitados | 2023

A maioria dos filmes de Alexander Payne parecem ter uma missão: a humanização dos ranzinzas. Estes são personagens chatos, implicantes, que estão sempre ligados ao tradicionalismo, não gostam de novidades, não são sentimentais, pelo contrário, são frios e diretos em seus comentários, muitas vezes ofensivos a quem os recebe. Essas figuras geram constrangimento e não são tão amadas assim por aqueles que as cercam. Warren Schmidt em As Confissões de Schmidt (2002) e Woody Grant, de Nebraska (2013), são bons exemplos. No caso de Os Rejeitados, Paul Giamatti, depois de quase vinte anos, volta a trabalhar com Payne para assumir esse biotipo como Paul Hunham, um professor de ensino médio extremamente rígido, que lhe rendeu um prêmio no Globo de Ouro.

O constrangimento é a matéria-prima para a comédia de Alexander Payne, que, a partir daí, trabalha muito bem a construção de uma narrativa simples, mas, ao mesmo tempo, complexa ao tratar a reação dos outros com seus “queridos ranzinzas”. Geralmente os personagens se veem obrigados a interagir com os chatos por situações que quebram o cotidiano, retiram uma segurança que se tinha com a distância. A filha de Schmidt precisa receber seu pai para sua cerimônia de casamento; a família de Woody Grant se reúne em torno da suposta premiação milionária do velho. São processos duplos de perfuração na casca dura dos rabugentos para melhor entendermos suas motivações, sua maneira fria de ver o mundo, e de uma consequente abertura à ressignificação. Nem Schmidt nem Grant permanecem os mesmos após suas experiências.

Para Os Rejeitados, Payne escolhe uma ambientação clássica, o Natal, evento que com certeza contribui para sua tese de humanização dos rabugentos. Quem nunca teve que se reunir com um tio chato durante as festividades de fim de ano? Outro filme que comunga com essa temática é Tia Virgínia, que você pode ler nossa crítica aqui.

Nos anos 70, no colégio interno Barton, é chegada a época de férias. Um inverno rigoroso reforça a vontade que todos os estudantes têm em sair daquele lugar e viajar com suas famílias. Acontece que alguns deles são “rejeitados”, ou seja, acabam, por um motivo ou outro, não podendo encontrar seus familiares, sendo, então, obrigados a passarem as semanas de férias dentro da própria escola. Naturalmente é preciso que algum adulto seja responsável pelos que ficam. O escolhido da vez, a contragosto, foi o professor de História Paul Hunham. Odiado por todos, alunos, colegas professores e pelo diretor da instituição, Hunham é famoso por sua rigidez e disciplina nas aulas. O único aluno azarado que terá que ficar com seu professor nas férias é Angus Tully (o estreante Dominic Sessa), de 15 anos, já que sua mãe estará em lua de mel com seu padrasto. Temos o laço principal entre um jovem que é obrigado a conviver com um ranzinza. Junto deles estará a cozinheira da escola Mary Lamb (Da’Vine Joy Randolph, também ganhadora do Globo de Ouro) e esporadicamente o zelador Danny (Naheem Garcia) em um Natal de muitas (re) descobertas.

A premissa clássica do roteiro de David Hemingson ganha também uma abordagem clássica do diretor, que carrega seu filme sob os clichês do gênero de filmes natalinos. O que dá um brilho especial para Os Rejeitados é a forma como Alexander Payne organiza seu ambiente. A fotografia de Eigil Bryld é um elemento importantíssimo para estabelecer uma linha de cores frias e a granulação que reforçam a hostilidade da neve e do tédio de que sofrem aqueles personagens. A postura dos atores e atrizes é sempre carregada pelo peso de estarem em situações não desejadas com pessoas indesejadas.

Na obviedade do clima e do gênero natalino (e de “filmes de escola”) vamos, junto com os personagens, conhecendo as histórias por trás de cada um. O jovem Angus tem uma relação familiar complicada, a cozinheira Mary perdeu seu filho na guerra do Vietnam e o professor também tem inúmeros problemas que carrega de seu passado. É evidente, desde o começo do filme, que o objetivo dessa narrativa seria o aprendizado mútuo que esses personagens terão ao conviverem.

A atuação desse trio principal garante que o óbvio do enredo não se torne chato. Giamatti tem uma de suas melhores atuações da carreira, construindo um personagem que por vezes parece repulsivo, mas que aos poucos se torna digno de pena e compreensão. Da’Vine Joy Randolph carrega sensatez para Mary Lamb, uma mãe enlutada que se descobre forte o suficiente para resistir e trazer consigo os outros dois. Dominic Sessa faz Angus Tully ser muito mais do que um adolescente rebelde sem causa, transmitindo a energia da juventude para seus colegas de férias.

No fim os rabugentos se tornam menos implicantes e o espírito de generosidade que desperta no Natal é bem representado em Os Rejeitados. Alexander Payne mantém seu estranho interesse por personagens chatos e nos convida a repensar a nossa relação com eles. É um exercício de alteridade se colocar no lugar dessas pessoas, de reconhecer em nós aquele traço da chatice e abrir um espaço para reverter essa bronca que carregamos com situações da vida. Paul, Angus e Mary se equilibram em tela e transmitem isso ao espectador, deixando tudo de alguma forma mais leve após a sessão. Às vezes a vida é fria, mas é tempo de aprendermos a aquecê-la.

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