Another End | 2024

Another End | 2024

O luto é um processo pelo qual todos nós passaremos em determinados tempos da vida. Ele não constitui, de fato, a superação da morte de alguém, mas talvez se aproxime mais do conformismo dessa ausência e da convivência com a dor, que acalma, mas permanece. A complexidade da temática é um prato cheio para as mentes criativas das mais diversas formas de arte, e transformar esse processo de dor em imagem é a tarefa do cinema. Da demonstração do luto direto, seco e humano ao uso de recursos para abordá-lo, o Cinema vai do fantasmagórico ao científico tamanha a riqueza e a complexidade do dilema.

Em Another End, Piero Messina pode parecer não desejar, mas toma o caminho da ciência. Num mundo onde acessar as memórias de pessoas falecidas é uma possibilidade, Sal (Gael Garcia Bernal) não consegue superar a perda de sua esposa. É convencido por sua irmã, Ebe (Bérénice Bejó) a aderir ao programa “Another End”, uma tecnologia que permite que as pessoas tomem seu próprio tempo para o último adeus, personificando as memórias do ente falecido no corpo de outrem. Take your time to say goodbye é o slogan do programa.

Another End tem uma proposta muito atrativa, porém, o que parece ser uma reflexão sobre luto e perda se torna uma viagem exaustiva muito mais apegada à explicações, ciência e reviravoltas do que à humanidade prometida. O personagem de Bernal vive num ciclo vicioso e depressivo de acessar constantemente as memórias da amada, muito pela dor, muito pela culpa. O longa assume um tom reflexivo que parece querer tomar rumos de A Árvore da Vida, de Terrence Malick. Mas quando o protagonista faz sua primeira ida à sede do projeto Another End, percebemos a falácia da apresentação inicial com mais evidência.

O prédio que sedia o programa é grandioso, de uma limpeza reluzente, higiênica, imponente. A personagem de Berénice Bejó muda notoriamente: de irmã preocupada, ela passa a idealizadora e defensora de um projeto absurdo, e convence o irmão a aderi-lo. Causa muita estranheza que, em sendo Another End uma saída um tanto duvidosa e sofrível de superação do luto, que coloca as memórias da pessoa falecida de no corpo de um host, e sabendo a personagem de todas as mazelas dessa iniciativa, por qual motivo ela o indicaria ao irmão que ela tanto cuida? Messina até fornece uma explicação posterior, mas parece levar tão a sério a proposta como ciência que realmente não convence.

Por falar em hosts, a dinâmica de Another End toma um rumo tão bobo que há momentos em que pensamos estar assistindo a uma série estilo Westworld, seja por essa estética totalmente convencional de limpeza, seja pelas frases exaustivamente explicativas colocadas nos personagens dos médicos, a incluir Ebe.

O cineasta dá, ainda, à Olivia Williams um papel um tanto expositivo, que evidencia ainda mais esse caminho óbvio que o filme toma. Ela interpreta uma mãe que convive com dois hospedeiros. Esse arco é de uma construção tão exagerada e pesada que Williams pouco tem a fazer, exceto permanecer constantemente em lágrimas. Visivelmente, só se presta a reforçar o que o diretor já expôs.

Gael García Bernal encontra dificuldades com seu papel. De marido enlutado, ele se torna praticamente um stalker de mulheres. O diretor, tendo plena ciência de que o espectador fará essa leitura, novamente opta por fornecer à personagem de Renate Reinsve, que interpreta a esposa de Sal, as palavras que ele entende que serão suficientes para eliminar qualquer incômodo nesse sentido: ele parece um maníaco, mas diz que não é. Então, há aceitação.

Talvez o grande erro de Piero Messina tenha sido não saber se assumir como um dramalhão ou uma ficção científica. No fim das contas, não consegue lidar nem com uma coisa, nem outra, leva o absurdo muito a sério, com pitadas de série de TV e fica tão obcecado em surpreender o espectador que acaba tomando o caminho exatamente oposto. 

O filme foi visto em Berlim, na 74ª Berlinale, e integra a Mostra Competitiva.

Direção: Piero Messina
Com: Gael Garcia Bernal, Renate Reinsve, Bérénice Bejo, Olivia Williams
País: Itália
Assistido no dia 17/02, no Berlinale Palast
Mostra: Competitiva

Nota:

Author

  • Natália Bocanera

    Na escassez de tempo, entre advogar e dedicar-se à sua dezena de felinos, escolheu o cinema como ponto de equilíbrio e formação individual do seu "eu", em permanente descoberta.

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