A Traveler’s Needs | 2024

A Traveler’s Needs | 2024

O cinema confortável de Hong Sang-Soo o fez levar para casa o Urso de Prata da 74ª Berlinale. Chegando ao seu trigésimo filme, o diretor dá o protagonismo para uma estrangeira dentro e fora das telas. Isabelle Huppert é uma viajante sem nome em A Traveler’s Needs. Sabemos que ela se diz francesa e que dá aulas de francês na Coréia do Sul. Vemos que ela perambula pelos lugares com poucos pertences, relaciona-se racionalmente com as pessoas agindo da mesma forma, flerta descaradamente e conquista a todos. Torna-se professora de suas mulheres coreanas, e gosta de beber makgeolli, uma espécie de vinho de arroz. 

Não conhecemos nada sobre essa mulher misteriosa, de vestido florido em vermelho, casaco verde e chapéu, e que visivelmente não pertence àquele espaço, mas ela magnetiza por sua despretensão e personalidade duvidosa e divertida. O diretor não precisa de muito para realizar um cinema de excelência que cativa por sua simplicidade.

Em A Traveler’s Needs, a desconfiança na protagonista vai reger as relações para transformar-se sempre oportunamente em seu favor. Já somos apresentados a ela ensinando sua língua a uma jovem coreana, sem sabermos exatamente definir se ela de fato é uma professora. A sequência daquela interação é semelhante às outras que a protagonista vai construindo posteriormente. Ela conversa despretensiosamente em inglês, provocando algo que faz sua interlocutora sentir necessidade de tocar um instrumento. Visivelmente desinteressada na música, a mulher aproveita o momento para fumar. Depois, a conversa torna-se uma espécie de nomeação de sentimentos. O que você sentiu ao tocar o piano? Você se sentiu orgulhosa? Recebe como resposta adjetivos pouco elaborados como “me senti feliz”, ou “senti a música bonita”. Ante a dificuldade, a própria mulher acaba induzindo sentimentos, terminando por resumir toda a conversa em anotações que ela coloca num bloquinho, em francês, para que a pessoa repita até memorizar, porque, segundo seu método, quando falamos de nossos sentimentos em outras línguas, nosso coração irá compreendê-las e absorvê-las melhor. 

Hong Sang-Soo é tamanho cineasta que possui a capacidade de provocar sentimentos numa personagem que pouco parece senti-los. Em A Traveler’s Needs ,a expressão da viajante é sempre uma incógnita. Ela fala sobre eles, ela os desperta nas pessoas,  mas o que mais vemos são as sensações físicas que ela busca. Ela tira os sapatos para pisar num mínimo córrego que cruza seu caminho, num gesto de busca por prazer nas pequenas coisas. Ela come uma refeição simples com uma ferocidade discreta, mas suficiente para que saibamos que ela tem fome. Bebe makgeolli porque é rico em bactérias saudáveis e também porque precisa do álcool. 

Todos esses detalhes, mais do que pequenos prazeres que ela busca no seu dia, são os sinais das necessidades que essa viajante tem. Ela precisa comer, precisa beber, precisa dormir, precisa beber makgeolli. Para tudo isso, ela precisa trabalhar, e para trabalhar, precisa cativar pessoas que dela desconfiam, seja pelo desconhecimento de seu passado, seja pelo fato de ser uma estrangeira. 

Nos divertimos com seu desinteresse e com o cinismo que ela carrega. Uma tarde com um casal que pretende contratá-la e que vai testando suas habilidades como professora, é suficiente para que tenhamos três pessoas bêbadas, duas visivelmente atraídas por ela, e que se questionam depois sobre a intensidade daquela relação repentina.  Mas, nos tocamos profundamente quando ela dorme sobre uma pedra porque não tem para onde ir, ou quando fica feliz pelo dinheiro que conseguiu ganhar em apenas um dia. 

É delicioso que Hong Sang-Soo ainda encontre, nas vidas e acontecimentos ordinários, tanta história, e como verdadeiramente se importa com elas. Quanta humanidade e quanto afeto ele nos presenteia com seu cinema!

Direção: Hong Sang-Soo
Com: Isabelle Huppert, Lee Hyeyoung, Kwon Haehyo, Cho Yunhee, Ha Seongguk
País: Coréia do Sul
Assistido no dia 18/02, no Cinemaxx
Mostra: Competitiva

Nota:

Author

  • Natália Bocanera

    Na escassez de tempo, entre advogar e dedicar-se à sua dezena de felinos, escolheu o cinema como ponto de equilíbrio e formação individual do seu "eu", em permanente descoberta.

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