My Favourite Cake | 2024

My Favourite Cake | 2024

É perceptível que o Cinema, essa arte que também pode virar produto e influenciar padrões de vida e de beleza, geralmente pouco se interessa pelos sentimentos dos idosos. Há uma infinidade de narrativas e abordagens, que geralmente circulam entre o sofrimento, o apagamento, ou que usam da idade como mero apoio à história pretendida. Enquanto na vida temos leis com a finalidade de proteger os direitos das pessoas ditas na terceira idade, o Cinema parece não lidar com nenhuma urgência por uma representatividade decente. My Favourite Cake é uma exceção.

Mahin (Lily Farhadpour) é uma mulher de 70 anos, viúva, que tem filhos residindo no estrangeiro e que mora sozinha na capital do Irã, Teerã. Cansada e triste com sua solidão e a ausência de suas amigas, resolve procurar um parceiro para compartilhar sua vida. Colocando suas melhores roupas, que ela já não usa há muito, ela, que precisa dormir até meio dia porque não consegue durante a noite, vaga por parques para assistir idosos se exercitando quando esses já foram embora, salva uma garota da polícia moral, até descobrir em um restaurante uma possibilidade de companhia.

My Favourite Cake é um drama adorável e também obscuro que reflete a solidão na velhice e as angústias carregadas pela proximidade da morte. Os diretores trabalham belamente o romance entre pessoas idosas e as mudanças de seus corpos, exaltando belezas que o etarismo nos impede de ver. Consegue pincelar, ainda, o aprisionamento das mulheres pela moralismo do Irã e o constante temor de sua repressão, delicadamente nos mostrando o quanto atos simples de nossa vida, como tomar uma taça de vinho, constituem uma grande transgressão passível de prisão naquele lugar.

Os diretores situam as aflições de Mahin com certo toque de leveza e até diversão, através das situações e pessoas que perpassam seu caminho, principalmente para destacar alguns pesos trazidos pela idade. A personagem não é uma pessoa totalmente solitária, apesar de viver só. Possui amigas, possui família, netos com quem ela gosta de interagir. A frequência de tais relações, porém, é que vai tornar a solidão mais penosa. O longa se inicia com uma deliciosa reunião entre amigas, todas na mesma faixa de idade de Mahin, onde partilha-se confidências, fala-se sobre doenças, expõe-se com clareza que aquele encontro não é usual. É nessa troca que começamos a notar que a protagonista não ocupa-se de atividades externas, permanecendo enraizada naquela casa.

Estando sua filha e netos residindo no exterior, o relacionamento é limitado à chamadas apressadas de vídeo. Nos divertimos com um fundo de tristeza quando Mahin recebe uma ligação da filha, que até mostra-se preocupada com a mãe, mas a conversa das duas é a todo momento atravessada pela rotina das crianças que precisam comer ou que se recusam a falar com a avó. A tristeza superada pelo conformismo da personagem é cortante.

Quando Mahin sai da inércia, totalmente deslocada do mundo ao passear no parque fora do horário das pessoas que ela procura, percebemos que a falta de interesse pelos idosos existe em um ponto pouco imaginado, e que finda por ao mesmo tempo beneficiar e constranger. Em sua jornada, ela cruza com uma garota que está em vias de ser presa pela polícia moral, supostamente por não usar seu jihab da forma correta. Mahin, por sua vez, também não o está. “Eles não prendem pessoas da sua idade”, é o que ouve da jovem. Aliviante e abrupto na mesma medida.

O ponto alto de My Favourite Cake são as várias transgressões que Mahin se permite naquele contexto. Ela encontra um companheiro repentino, escolhe-o mediante o critério da semelhança e da empatia: ele também estava sozinho. Ela o leva para sua casa, eles compartilham uma garrafa de vinho guardada desde os tempos em que não havia fiscalização moral e a bebida ainda era permitida, ela se deixa fazer coisas que há muito não fazia, e o faz muito bem. Ele troca as lâmpadas de seu jardim, elogia o cuidado dela naquele espaço, e eles aproveitam aquela noite ali, sentados na área externa, fora da casa e da segurança angustiante da rotina. Há uma troca tão honesta, tão bonita e até inocente entre eles, um gosto pela vida reproduzido nessa cena que dura quase que a segunda metade toda do longa.

My Favourite Cake não ganhou o Urso de Ouro, que foi merecidamente para o soberbo Dahomey, de Mati Diop, mas é grande e digno de ser uma das melhores coisas da Mostra Competitiva da 74ª Berlinale. Composto de contrapontos, ele é conforto e escuridão concomitantemente, e afinal, a velhice também é um pouco isso. O bolo favorito de Mahin é, no fim das contas, bem agridoce.

Direção: Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha
Com: Lily Farhadpour, Esmail Mehrabi
País: Irã, França, Alemanha, Suécia
Assistido no dia 16/02, no Palast.
Mostra: Competitiva

Nota:

Author

  • Natália Bocanera

    Na escassez de tempo, entre advogar e dedicar-se à sua dezena de felinos, escolheu o cinema como ponto de equilíbrio e formação individual do seu "eu", em permanente descoberta.

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