O Astronauta | 2024

O Astronauta | 2024

O Astronauta é um dos filmes que faz realmente questionar muitas coisas sobre grandes festivais. Não que festivais de cinema devam ser compostos apenas por bons filmes (nunca o serão, e isso tem seu lado positivo). Fez sua estreia mundial na 74ª Berlinale, na mostra Special Gala. É um blockbuster da Netflix, com grandes estrelas: Adam Sandler, Carey Mulligan, Paul Dano, Kunal Nayyar e Isabela Rossellini integram o elenco chamativo. Dito isso, O Astronauta recebeu um posto específico na cobertura de nossa primeira Berlinale – o de pior filme.

Jakub (Adam Sandler) é um cosmonauta tcheco há seis meses em missão espacial. Próximo de completá-la, ele guarda o título de “homem mais solitário do mundo”, e tem como únicas companhias (distantes) sua esposa Lenka (Carey Mulligan) e Peter (Kunal Nayyar), pessoa responsável por, aparentemente,  zelar por sua saúde mental e física. Aparentemente, sim, porque não sabemos ao certo se há algo além disso em seu personagem, muito embora ele chegue a dizer à Jakub que “está acontecendo muita coisa aqui”, se referindo ao seu espaço de trabalho na Terra, onde ninguém parece se importar com a missão. Lenka, por sua vez, está grávida do homem mais solitário do mundo, e cansada de sua própria solidão, decide se separar. E começa a ser impedida de fazê-lo pelo bem da missão.

O rumo do astronauta muda quando ele recebe uma interferência em seu canal de comunicação. Uma voz bem à la 2001: Uma Odisseia no Espaço surge repentinamente (qualquer referência à Kubrick para por aqui). Descobrimos a origem de tal interferência quando Jakub se depara com uma espécie de aranha-polvo alienígena chamada Hanus (Paul Dano) dentro de sua nave, com uma voz gentil que não representa qualquer ameaça, e que diz sentir toda a solidão e tristeza do cosmonauta.

Hanus se torna o psicólogo de Jakub, este homem egoísta que se recusa a fazer terapia. Precisa de um ser bizarro para ser convencido de que saúde mental é importante. Qualquer intenção do diretor de fazer um filme minimamente sobre espaço, não funciona. Do mesmo modo, se seu desejo era criar uma obra focada na solidão e depressão do protagonista, esse impulso fica por terra (ou na Terra).

O Astronauta nada mais é do que algo sobre um homem sendo homem em qualquer lugar do universo. Este em específico precisou de uma missão espacial para perceber que precisava e precisa fazer terapia. Precisou abandonar a mulher grávida e fazê-la viver em função de sua sanidade no espaço para descobrir que dela precisa para sua sanidade, e claro, sua necessidade deveria bastar para que ela o compreenda e desista de abandoná-lo. Coloca, descaradamente, a mulher como subserviente do homem, musa inspiradora que o sustenta e o faz continuar, e nos diz que sim, ela deve ocupar esse lugar.

É triste assistir ao esforço de Carey Mulligan, que consegue fazer milagre com o pobre material que tem, e que parece ser a única pessoa que leva seu trabalho a sério. Se a apatia de Jakub é consequência de seu isolamento, Adam Sandler deixa de convencer por essa linha a partir do momento que passa a interagir com a criatura Hanus, de fato, o personagem mais interessante do longa.

Para além da total aleatoriedade na escolha dos astros do filme como personagens tchecos e do descaso com mulheres na reprodução aberta de uma cultura e estrutura machista, a falta de compromisso dos envolvidos com essa produção se evidencia quando não sabemos nem o que pensar ao assistir Hanus, esse monstrinho alien de voz calma meio aranha, meio polvo, abraçado num pote gigante de creme de avelã de marca tcheca, enquanto vermes saem do seu corpo, no ápice de O Astronauta.

Direção: Johan Renck
Com: Adam Sandler, Carey Mulligan, Kunal Nayyar, Lena Olin, Isabella Rossellini
País: EUA
Assistido no dia 21/02, no Berlinale Palast
Mostra: Special Gala

Author

  • Natália Bocanera

    Na escassez de tempo, entre advogar e dedicar-se à sua dezena de felinos, escolheu o cinema como ponto de equilíbrio e formação individual do seu "eu", em permanente descoberta.

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