Phantoms of the Sierra Madre | 2024
Um dinamarquês, de tanto assistir filmes quando criança, torna-se obcecado pela (supostamente) extinta tribo nativo-americana Apaches. Em sua infância, Lars K. Andersen perguntava à sua mãe o motivo do posicionamento vilanesco das tribos indígenas que ele assistia nas histórias de TV e o ódio que pareciam nutrir contra os herois brancos, sem obter qualquer resposta, entretanto. Escritor na vida adulta e ávido por contar histórias, Lars inspira-se numa famosa expedição realizada pelo norueguês Helge Ingstad, seu heroi da vida real, que rumou para o México em 1937 em busca dos membros remanescentes da tribo. Parte, ele mesmo, para a América do Norte em semelhante missão, a fim de, trilhando os passos de Ingstad, encontrar a comunidade indígena perdida.
Em tempos em que Martin Scorsese (por incrível que pareça) foi criticado por realizar Assassinos da Lua das Flores do ponto de vista de homens brancos (ainda que, nesse caso, essa discussão seja absolutamente absurda) é pertinente que se reflita a forma como as narrativas indígenas são colocadas à nosso dispor. O ponto de vista meramente exploratório pode perpetuar estereótipos e normalizar genocídios, como uma continuidade da colonização sob nova roupagem. Phantoms of the Sierra Madre, dirigido por Håvard Bustnes, é uma coprodução da Noruega, Finlândia, EUA e México que se autodeclara culpada por seu viés: um homem branco europeu que deseja contar uma história indigena porque assim ele o quer. E como dizer não ao homem branco sem que ele esperneie?
Phantoms of the Sierra Madre é um filme que queria ser outro, e no meio do caminho, por falta de apoio financeiro, precisou mudar sua proposta. Para ser aceito, necessitou deixar de seguir o explorador norueguês para colocar o foco na busca pelos Apaches. Lars desculpa-se o tempo todo e se questiona sobre seu lugar como contador daquela história. Diz querer dar voz aos nativo-americanos que ele encontra em sua jornada. Tem a sorte de contar com a colaboração de Pius, um economista que lidera estudos sobre o que remanesce da comunidade Apache, da qual ele descende. Ao mesmo tempo, um Lars reflexivo domina as telas, se não em autoflagelo pela mudança de planos que se forçou a aceitar, está com seu paletó bege percorrendo trilhas arenosas no México com o vigor de um explorador. Bem se vê que, muito embora negue veementemente sua intenção exploratória, faz tudo girar ao redor de si mesmo, contradizendo sua pretensa proposta.
O próprio plano de Lars parece sequer existir. Ele simplesmente vai até, inicialmente, o Novo México, fronteira entre os EUA e México, entra num lugar que parece uma agência turística e começa a perguntar sobre a expedição de Helge Ingstad. E assim ele passa por lojas de conveniência, é levado para casas de pessoas que não querem com ele falar, tudo colaborando para o mistério que ele deseja. Sua falta de foco e aproveitamento daquelas pessoas se evidencia ainda mais quando ele resolve confrontar duas famílias para que discutam a veracidade de suas ancestralidades, sugerindo até um exame de DNA (do que ele mesmo, como boa pessoa que busca transparecer, desistiu).
É interessante observar, porém, que a própria dinâmica do Novo México seja toda voltada para o turismo “Apache”, e os próprios descendentes vivem disso. Cassinos, pousadas, museus, a temática é um chamariz.
O objetivo de encontrar Apaches é igualmente questionável. De certo modo, ele os encontra. Pius, por exemplo, é descendente do último guerreiro Apache, chamado Geronimo. Mas a idealização do escritor é encontrar o que ele chama de “Apaches selvagens”, termo que, por si só, já é extremamente problemático. Sua obsessão talvez fosse encontrar pessoas como as que ele via na TV em sua infância.
Lars, embora não seja o diretor, domina e controla tudo explicitamente. Faz questão de manter as discussões de ambos em seu filme quando o diretor discorda de seu destaque exacerbado nas imagens. Lars argumenta contra Bustnes de forma agressiva, inclusive, quando reivindica seu “direito de decidir o que colocar o que quiser em seu filme”. O dinamarquês parece não aceitar suas alternativas: ou não existem Apaches isolados como ele idealizou, ou eles simplesmente não querem ser encontrados. Nenhuma das opções lhe agrada.
“Eu caminhei por um mundo que não é meu. Eu tentei contar uma história que não é a minha”. A busca pelos mistérios da expedição de Helge Ingstad caem por terra. As respostas obtidas mostram que o norueguês estava ali também para explorar os nativo-americanos e deles tirar proveito. Essa parece ser uma decepção sincera de Lars. Todavia, tudo parece uma farsa quando Lars coloca em palavras um discurso que o coloca em seu devido lugar como homem branco, pretensamente dando espaço para que narrativas indígenas sejam contadas por pessoas indígenas, mas em imagens contradiz esse discurso ao monopolizar as telas. Phantoms of the Sierra Madre não encontra nenhum fio que o amarre, se tornando um emaranhado de peças soltas e adaptadas conforme a conveniência de tentar se fazer “um bom filme” – palavras do próprio Lars – o filme sobre o filme que não foi feito.
Essa crítica faz parte da nossa cobertura do CPH:DOX 2024, leia mais aqui