Union | 2024
O sistema capitalista só se mantém pela exploração dos corpos. As grandes empresas enriquecem às custas dos trabalhadores, que vendem seu tempo e esforço por uma quantia insignificante comparada aos ganhos da corporação. A história de superação e a megalomania dos bilionários donos desses negócios são artifícios que mascaram a real condição de seus empregados. A Amazon, na figura de Jeff Bezos, cresce bilhões de dólares a cada trimestre. Enquanto o dono faz uma expedição particular ao espaço, seus funcionários vivem em condições exploratórias absurdas. Union, de Brett Story e Stephen Maing, tem a coragem de mostrar a importância da sindicalização como meio de resistência à opressão, e o faz de maneira consciente e enfática, como deve ser.
Um dos muitos méritos do filme é justamente seu posicionamento sem rodeios, escolhendo como personagem principal Chris Smalls, ex-funcionário da corporação que agora tenta reunir forças para criar um sindicato de representação dos trabalhadores da empresa em Staten Island, em 2021. As legislações estadunidenses não são as maiores facilitadoras desse processo, criando uma penosa jornada burocrática para a abertura de sindicatos e a eleição de seus membros. É necessário que pelo menos 30% dos trabalhadores votem positivamente na união, o que, certamente, não é do interesse da Amazon.
O percurso de Smalls ao longo de Union é heroico, fazendo-o passar de um voluntário quase desconhecido distribuindo cachorros quentes em frente à empresa, a presidente sindical discursando na Corte dos Estados Unidos. Por mais que seja o centro das atenções, os diretores não o colocam como figura isolada nesse contexto. Aos poucos, novos personagens ganham destaque, evidenciando que a sindicalização é uma real união de forças e estratégias contra o opressor. Barracas são montadas todos os dias, em todos os turnos, nos portões da Amazon, para panfletagem, distribuição de alimentos e toda forma de convencimento de que a luta importa.
Essa opressão capitalista tem cor, raça e gênero. Quando presenciamos os ônibus de trabalhadores chegando ao prédio, são em sua maioria negros, latinos e mulheres. Não é uma batalha justa, vista toda estrutura de nossa sociedade, principalmente da cultura estadunidense. São essas pessoas que dedicam seu dia em jornadas exaustivas de até doze horas de trabalho, com pouquíssimos minutos de intervalo, para viverem a instabilidade de serem demitidos a qualquer momento sem direito a benefícios ou estabilidade. Aliás, essa é uma estratégia tomada pela Amazon: funcionários são demitidos (principalmente os organizadores do motim) quase que integralmente a cada semestre para dificultar seu acesso à sindicalização.
Entretanto, é a união e a crescente tomada de consciência liderada por Smalls, homem negro, que cria resistência. Union é um documento histórico de um dos momentos mais importantes do século XXI, e Story e Maing sabem da seriedade de seus trabalhos. Assistir Smalls e seus companheiros criarem a ALU (Amazon Larbor Union), superarem as frustrações e vencerem a batalha contra uma das mega corporações mundiais é revigorante, da mesma forma como o filme acaba levando a mensagem de inspiração que chega a outras sedes da Amazon pelos Estados Unidos.
Do primeiro quadro, que compara os trabalhadores da Amazon com mercadorias, até o último, há um crescimento de energia. A mudança de pessoas que percebem o quanto é importante a sindicalização, a luta pelos direitos trabalhistas, a influência de Staten Island com a ALU, é a esperança. Porém, ao fim, não é uma mensagem de todo otimista, ou melhor, não carrega falsos otimismos. Foram anos de luta, algumas derrotas e uma vitória, mas, o mais importante agora, é a percepção de que a opressão faz parte do modus operandi do capitalismo e é contra isso que se precisa lutar. É preciso a união; a batalha não acabou.
Union, de Brett Story e Stephen Maing, foi visto no CPH:DOX, o Festival Internacional de Documentários de Copenhagen.