Immortals | 2024

Immortals | 2024

A Revolução de Outubro ou A Revolução dos Pobres levou milhares de iraquianos para as ruas entre 2019 a 2021, principalmente jovens concentrados em Bagdá, movidos contra a política sectária de quotas do Governo que trouxe a ISIS ao país e segrega a parte menos favorecida da população por motivos majoritariamente religiosos, para quem faltam serviços básicos e emprego. Os protestos foram violentamente reprimidos pela polícia governamental, resultando em 787 mortos e 23.683 feridos. Immortals, dirigido por Maja Tschumi, acompanha dois protestantes, uma mulher, Milo, e um homem, Khalili, em contextos e repressões diferentes, em filmagens por vezes feitas por eles mesmos, que nos fazem adentrar a paralisação e acompanhar de forma muito próxima tanto a organização como suas consequências diretas na vida dessas pessoas.

O passeio que Maja Tschumi nos convida nos três capítulos em que divide essa história impressiona e emociona pela capacidade que o coletivo pode alcançar. As praças e ruas são setorizadas por tendas que acolhem serviços médicos, cozinhas, atividades de dança, batalhas de rap, esportes e, com uma grande faixa que o identifica, “cinema para revolução”. Mais do que uma manifestação, o movimento é uma ocupação e apropriação dos espaços públicos pelo povo, o que é muito bonito de se acompanhar quando a câmera da diretora realmente desliza por esses lugares e pelas pessoas reunidas em prol dessa causa.

No Iraque, 60% da população possui menos de 25 anos. Ainda assim, a violência a que a juventude é submetida é assustadora, e a percebemos através desses dois personagens que Tschumi persegue. Milo é uma jovem feminista, que por participar dos protestos, foi trancada em casa por sua família, teve seus livros, pertences, roupas e documentos de identidade queimados. Ela, que ressalta o orgulho de ser mulher, encontrou um jeito de sair vestindo as roupas do irmão, se passando por homem, e nessas ocasiões, apesar de ser deixada em paz nas ruas, sentia ódio por si mesma. Milo não só deseja, mas necessita sair do país como meio de sobrevivência. Sabe que, nas mãos do pai, sua vida está em risco. Entretanto, junto com seus documentos, teve seu passaporte queimado, e a obtenção de um novo implica numa burocracia imensa que a obriga a depender da autorização do pai, ainda que não seja menor. A repressão que ela viu nas ruas e em sua própria casa a fizeram uma jovem dependente de remédios para dormir, pois tomada por um medo constante que a mantém alerta.

Khalili, por seu turno, é um jovem que, por ser homem, não teve sua participação nos protestos reprimida com tamanha brutalidade e privação de liberdade dentro do âmbito familiar. Entretanto, na linha de frente do movimento, ele acampou nas ruas, e registrou com sua câmera os ataques mais atrozes da polícia, o derramamento de sangue, a insanidade dos veículos tuk-tuk que freneticamente levavam pessoas aos postos médicos improvisados, a morte de amigos e pessoas que por ele cruzavam. A câmera foi sua arma. Ele mesmo sofreu um sério ataque e precisou de intervenção médica por ser atingido no pescoço. As imagens produzidas por ele são chocantes, mostrando um verdadeiro cenário de guerra e destruição no que seria um protesto pacífico popular antes da reprimenda, num contexto muito diferente daquele do início, quando exalava a força coletiva. Khalili se torna mais um jovem com problemas de insônia e depressão.

Immortals, quando se inicia, deixa claro que algumas imagens foram criadas porque não podem ser mostradas. “Somos vítimas de uma religião exagerada”, clama a voz que o filme abre as portas para que o mundo a ouça. O último capítulo é o das “Decisões”. Maja Tschumi traça paralelos entre as imagens dos protestos e as de 2022, uma cidade vazia em razão da Covid-19. Milo toma a decisão de partir, e quer levar sua melhor amiga. Essa é sua única chance de sobrevivência. Khalili é protegido por seu gênero, mas se submete aos costumes e se casa com uma noiva que jamais visualizamos. Sua militância, entretanto, não foi de todo apagada. O medo que o Iraque se torne algo como o Irã, um governo onde política e extremismo religioso se unificam, o faz buscar sua câmera novamente. A mensagem final é de esperança, mas seu gosto é deveras amargo.

Author

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *