Teaches of Peaches | 2024
Merrill Beth Nisker é Peaches, artista queer canadense de electroclash que faz sua própria revolução feminista através da música. “Fuck the pain away!” é clamado pelo coro que acompanha seus shows, uma grande performance enérgica que não se incomoda com a nudez e abusa de fantasias divertidas de genitálias e seios para acompanhar o teor sexual de suas canções que nos dizem sim, mulheres podem falar sobre sexo e performar sobre eles, e que o sexo é, sim, tema para uma expressão artística fortíssima.
Teaches of Peaches, dirigido por Philipp Fussenegger e Judy Landkammer, passou pela 74ª Berlinale, onde ganhou, em terceiro lugar, o prêmio do público de melhor documentário de 2024, e faz parte da seleção do CPH:DOX deste ano, integrando a mostra Sound and Vision. O filme é uma homenagem à artista e à turnê de aniversário de 20 anos que a celebra em recordação de seu principal álbum, e traça sua história desde o início de sua carreira, quando lecionava música para crianças em uma creche, até os dias atuais, no auge de seu amadurecimento musical.
Apesar de homenagear a artista solo, Teaches of Peaches nunca deixa de dar importância à coletividade necessária para o sucesso de seu trabalho. Todas as pessoas que o documentário recorda tiveram e têm suas experiências pessoais e musicais com Peaches, compartilhando momentos de sua carreira em coproduções. A grande maioria das colaborações da artista são mulheres e pessoas queer, e essa representatividade é um dos impulsionadores claros de toda sua inspiração dentro dos palcos e fora deles. Vê-se que há uma preocupação em proporcionar conforto e acolhimento a todos que performam em seus shows, compostos por uma equipe de músicos, técnicos e dançarinos. “Ela administra essa bagunça” é o registro da capacidade de união da artista diante de um palco sempre deliciosamente caótico.
Teaches of Peaches é privilegiado pelo gosto da artista em filmar. Sempre a postos com sua Super 8, ela registrou momentos diversos de sua vida, shows, camarins, composições e pensamentos que são usados pelo filme. É interessante como, munido com esse vasto e rico material produzido pela própria Peaches, traça paralelos das fases musicais da artista costurando influências que a idade e o maior conforto financeiro exercem. Ao passo que, em uma filmagem do início de sua carreira, mostra-se como ela viajava com poucos pertences, imediatamente somos levados à atualidade, que traz uma Peaches carregando malas e mais malas, roupas e equipamentos variados. Fica evidente que com o sucesso, a simplicidade das coisas acaba por ser abandonada.
Peaches é canadense, mas quase toda sua vida e carreira pertence à Berlim, onde ela mora já há muitos anos. A premiação do público na 74ª Berlinale se justifica nessa relação de afeto entre a cidade e a artista. Folk, punk rock, electroclash, todos esses estilos musicais serviram à Peaches e sua mensagem de libertação sexual das mulheres, todos deram palco para que ela ocupasse com sua presença forte. A artista é muito berlinense, apesar de canadense, mas seu recado é universal.
A liberdade artística e a temática sexual, quando falada e performada por mulheres, ainda assusta a sociedade. O apetite sexual feminino espanta as pessoas. É justamente esse lugar de necessária afronta que Peaches ocupa. Tudo exala uma sexualidade muito bem humorada, sem, necessariamente, ser sensual. A artista diverte e se diverte ao colocar um balão gigante em formato de pênis jorrando um líquido leitoso na plateia, ou ainda, vestir seus músicos com um chapéu de clitóris. Essa é sua forma de protesto. Peaches mostra-se uma artista completa, e por isso, naturalmente política.
Essa crítica faz parte da nossa cobertura do CPH:DOX 2024, leia mais aqui