Omar And Cedric: If This Ever Gets Weird | 2023

Omar And Cedric: If This Ever Gets Weird | 2023

Uma montanha russa de vida sendo construída pelas lentes particulares de Omar López

Desde os 7 anos de idade, Omar Rodríguez-López vem gravando sua vida. É baseado nessa memorabilia de registros audiovisuais, que o diretor Nicolas Jack Davies (que já trabalhou com nomes como PJ Harvey e Coldplay) monta Omar And Cedric: If This Ever Gets Weird”; documentário que traça a trajetória de vida de dois amigos inseparáveis que formaram as bandas At The Drive-In e The Mars Volta. A câmera, quando não está na mão e sob a narração de Omar, está na de Cedric Bixler-Zavala. Os dois, desde cedo, criam fortes laços e firmam uma parceria criativa que vai atravessar décadas lado a lado. A obra em questão tratará de não se reduzir a um documentário musical, mas a ser um retrato intimista da jornada  de amadurecimento individual dos dois amigos.

Dividido em três partes e montado a partir de uma estética livre e Lo-fi, fiel a crueza dos registros da câmera amadora, começamos entendendo “a morte do At The Drive-In”. Como a banda que começou pequena em El Paso, Texas, se tornou um fenômeno e ultrapassou os limites do que seus próprios criadores esperavam dela. Entre conversas, viagens de carro e muitos momentos em quartos de hotéis baratos, vamos percebendo o quão importante é para Omar e Cedric se manterem fiéis ao que acreditam quando formaram sua primeira banda juntos. 

A partir de certo ponto, quando seus shows começam a tomar uma proporção maior, é notório o conflito dos jovens latinos com seu público, cada vez mais branco e mais acostumado a um som “pasteurizado”, tudo o que eles não se propunham a fazer. Vindos da cena underground do punk rock de El Paso, criando suas referências em pequenas apresentações para uma audiência local mais autêntica, e carregando orgulho de suas origens, os líderes do At The Drive-In começam a se sentir forasteiros em cima do palco. Omar, natural de Bayamón, Porto Rico, teve a oportunidade de morar na Carolina do Sul quando criança, o que o fez se sentir hostilizado e não pertencente a cultura americana. A mudança de sua família para o México foi mais acolhedora, e, a partir dos 11 anos, ele já estava se conectando com a cena punk e tocando em pequenas bandas locais. Mesma época que viria a conhecer Cedric.

A narração é um artifício constante nas gravações de Omar e de Cedric, são mais de 20 anos de material gravado de uma dupla que raramente se separa e que viveu algumas primeiras experiências juntos, como, por exemplo, o uso de drogas. Estas experiências são postas como um recorte lúdico e lisérgico, através de camadas de imagens sobrepostas e distorções gráficas, o que dá um tom desprendido à forma do registro, sempre unido aos depoimentos narrados. 

Com o sentimento de uma espécie de “esvaziamento de sentido ideológico” acerca do que estavam fazendo com o At The Drive-In, os amigos decidem parar, mas não por muito tempo. A junção musical criativa dos dois, que montaram duas das bandas consideradas revolucionárias para o cenário mundial contemporâneo, seguiria por outros rumos depois de terem assinado, pela primeira vez, com uma gravadora. Feito que os proporcionaram novos rumos e mais visibilidade, colocando suas músicas para tocar nas rádios americanas e serem chamados de “The next Nirvana” (título que eles rejeitavam). Tudo isso é costurado no documentário com muitas imagens de trechos de shows, em sua maioria vistas dos bastidores ou da lateral do palco, em apresentações intensas e bastante enérgicas.

Na ocasião dessa pausa, a dupla buscou resgatar o que lhes é mais caro: suas origens, o retorno a Porto Rico e novas experiências sonoras. Por um tempo montaram um projeto musical de Reggae chamado The Tacto, junto com novos músicos, entre eles Jeremy Michael Ward. Grande amigo e nome que viria a acompanhá-los bastante de perto, ajudando nas letras, nas composições, fazendo a arte dos discos. Esse hiato que os levou de volta às suas raízes lhes deu energia para recomeçar com algo completamente novo. 

Deixando o discurso e o som mais agressivo do At The Drive-In, surge o The Mars Volta, abraçando o som mais experimental e progressivo, mais robusto, com instrumentos latinos e com a inclusão de músicas cantadas em espanhol. Voltando aos EUA, eles cruzaram em estúdio com Flea e John Frusciante, músicos do Red Hot Chilli Peppers, o que é mostrado em registros muito intimistas, dos momentos que eles tocaram juntos e uma parceria musical que rendeu contatos que os levaram cada vez mais  longe.

Passando por uma timeline de amadurecimento, “If This Ever Gets Weird” consegue montar um cenário bastante humano dos jovens que passavam horas a fio brincando de fazer música, se convertendo aos poucos em dois adultos gerenciando uma grande banda (peso que caia mais nos ombros de Omar). Então, a observação colocada no primeiro parágrafo, de que não se trata de um simples documentário musical, se reafirma: é muito mais sobre a força dos laços da amizade entre Cedric e Omar, e de como a dupla segue sem perder a leveza que sustenta essa relação tão cúmplice e fiel, mas que, sem a música, não faria sentido algum.

A terceira parte nos deixa o lado mais amargo da vida dos dois, dos anos que passaram afastados um do outro, que se casaram e constituíram família, que adoeceram por questões psicológicas, por luto, por problemas com drogas. Eles partilham a dor da perda de Jeremy, que morre de overdose e abala totalmente as estruturas emocionais e criativas da dupla. Omar descreve sua morte como algo terrível, porém de uma forma bastante romântica, sensível e dolorosa. Mais um ciclo se fecha. “Toda morte é uma mutilação e essa foi uma mutilação muito pesada”. Entre músicas, registros intermináveis, luto por seu amigo e logo após por sua mãe, Omar ainda conseguia conciliar a vontade de fazer filmes e sua grande paixão por cinema. Dentro de uma crise existencial, devido a tudo que acontecia naquele momento em sua vida, dirigiu filmes.

Jack Davies não podia deixar de registrar também a dura caminhada de Cedric para superar a morte de Jeremy e se livrar da Scientology, uma espécie de denominação religiosa no qual ele se viu inserido junto com sua esposa, para tentar passar por períodos difíceis com drogas e depressão. “Omar And Cedric: If This Ever Gets Weird” vira uma montanha russa de vida sendo construída, de começos, finais e muitos recomeços. Ver tudo isso narrado e gravado por eles, faz com que o mergulho em seus melhores e piores momentos seja ainda mais profundo.

Nota:

Author

  • Mari Dertoni

    Jornalista carioca, estudou cinema na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, certificada em roteiro pelo Instituto de Cinema de São Paulo. Ama cinema de horror e os grandes clássicos.

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