Linda Perry: Let it Die Here | 2024

Um talento imenso, vindo de uma dor imensa
Carregando nas costas o título de ser a mulher à frente da banda oitentista de sucesso “4 Non Blondes”, Linda Perry mostra ser infinitamente mais do que isso para o cenário da música pop mundial no documentário “Linda Perry: Let it Die Here”, dirigido pelo americano Don Hardy. Partindo de imagens intimistas no estúdio da cantora, acompanhamos o decorrer da construção de seus processos criativos, seu olhar sensível para com os artistas com quem trabalha, e como sua conturbada infância e experiências familiares afetaram a jornada que a tornou essa incrível multiartista.
Entre depoimentos da artista (que além de cantora e compositora, é produtora musical), descobrimos, guiados por uma câmera sempre bastante aproximada, como a música ganhou cada vez mais sentido e espaço absoluto na vida de Perry. Logo de início, percebemos o orgulho que sente em nos guiar por seu enorme estúdio, onde afirma: “você não vai ver nenhum troféu no meu estúdio, nenhum Disco de Ouro, porque isso não significa nada pra mim.”. Percebemos a importância que dá ao fato de ser uma mulher que sobrevive por meio de um talento visceral em um mundo majoritariamente masculino como o da produção musical, e faz questão de evidenciar que seu passado como cantora e os prêmios que recebeu na época, não a definem.
Crescendo em uma grande família, composta por pai e mãe separados precocemente, cinco irmãos e uma irmã, Perry se sentia deslocada e completamente desamparada emocionalmente, perdida em uma criação relapsa e distante. Seu pai sofria de alcoolismo e sua mãe era uma bela portuguesa, que se afastou da família cedo demais. Sem referências parentais saudáveis, a artista cresceu às sombras dessa dor, fazendo-a passar por muitos desafios emocionais, encontrando na música um mecanismo de defesa e uma blindagem.
“Let it Die Here” é produzido por Robert Schwartzman, que também atua como diretor, ator e músico, líder da banda de indie rock Rooney, e primo da diretora Sofia Coppola. A obra não esconde seu teor biográfico, mesclando sempre depoimentos do processo criativo em estúdio e ensaios com nomes como a cantora pop Christina Aguilera e a estrela da música Dolly Parton, à depoimentos de ex-namoradas, amigos pessoais e da ex-esposa de Perry, a atriz Sara Gilbert, com quem tem um filho, contando detalhes mais íntimos de seu passado.
Retornar ao passado da cantora traz momentos densos, que são por vezes representados através de uma animação em stop motion e uma narração feita pela própria artista. Como quando Perry conta de seu início na função de produtora musical, ocorrido durante o processo de gravação do hit absoluto What’s Up?, canção que foi single do álbum Bigger, Better, Faster, More! da 4 Non Blondes. What’s Up? recebeu o prêmio de melhor música de Bay Area, e Linda Perry foi eleita como a melhor cantora do ano. Seu produtor na época trabalhava a música com uma roupagem bastante diferente da composta por ela e insatisfeita com o processo, Perry decide finalizar sozinha até atingir o resultado que havia idealizado, descobrindo um enorme talento na função. Função essa que passa a ser o sentido central de sua vida, ao lado da composição, depois que deixa o 4 Non Blondes e segue carreira solo na década de 90.
“Linda Perry: Let it Die Here” atravessa a jornada da artista em busca de encontrar um sentido para seguir sua própria vida. Ela é uma pessoa que foca quase 100% de seu tempo em trabalho, tempo compartilhado com a criação de seu filho, que ressignifica o sentido de família e a ajuda a reconstruir sua história.
Mesmo atingindo o sucesso de trabalhar com nomes como Gwen Stefani, Pink, Adele, Alicia Keys, entre outros, pensar em si e em suas cicatrizes ainda parece um fardo muito pesado. A música se tornou um alicerce importante para que ela conseguisse sobreviver à sua conturbada infância. Na música, também foi onde achou lugar para um processo de cura, onde extravasa os profundos sentimentos de rejeição. Através da arte Perry encontra acolhimento, o mesmo que sua progenitora não foi capaz de lhe dar. Mesmo diante de um cenário familiar tão doloroso, a cantora fez questão de amparar sua mãe, que enfrentou problemas de saúde, até o fim de seus dias. Inclusive embalando sua perda e dor com a bela canção que dá nome ao documentário.
Acompanhe as críticas da cobertura do Festival de Tribeca 2024 aqui.