Some Rain Must Fall | 2024

Some Rain Must Fall | 2024

Um filme silencioso, mas que se inicia num caos de sons e acontecimentos, que vão servir de sustento para Some Rain Must Fall, coprodução entre a República Popular da China, EUA, França e Singapura, que esteve na Mostra Encontros da 74ª Berlinale e integra a Mostra Competitiva Internacional do Festival de Tribeca 2024. O mencionado caos é causado por Cai (Yu Aier), uma mulher, esposa de um relacionamento falido e mãe de uma adolescente, que ao procurar a filha na quadra de basquete da escola, num momento de profunda irritação e irracionalidade ao ser atingida por uma bola, a devolve com força e finda por atingir uma idosa, que sofre um grave ferimento. 

Nós não visualizamos o acidente. Não conhecemos a feição da idosa atingida. O que transforma-se em imagem é o ato de Cai em si, e as vozes acaloradas que vêm depois dele nos fazem imaginar o ocorrido. Todo esse início é construído de forma primorosa, a câmera acompanhando a protagonista de perfil, ângulo que vai persegui-la por quase todo o longa, num contraponto muito evidente entre os esportes que acontecem ao redor dela, cheios de vida adolescente representada pelo movimento de vultos que vemos ao fundo e pelos sons que parecem destoar do ânimo da personagem. O diretor Qui Yang nos imerge nesse frenesi escolar angustiante para nos mergulhar, posteriormente, na tristeza que permeia aquela mulher.

A iminência do divórcio, a dificuldade de se relacionar com a filha, a doença do pai, o cuidado com a sogra, o amante, e enfim, o acidente e a culpa. Cai enfrenta todas as dificuldades de uma só vez, e o diretor a oprime nos espaços, nas cores mais escuras, azuladas e esverdeadas, e na impessoalidade de sua câmera, que se mantém distante, preferindo perfis mesmo quando nos diálogos, que nunca são frontais e sequer parecem diretos, tornando os personagens ainda mais ocultos. A atmosfera de infelicidade salta de Yu Aier, inexpressiva, carente de sorrisos, oscilante e insegura. 

A busca da câmera pelo incompleto, por rostos e pessoas nas sombras ou pela metade, reforçam a ideia de fragmentação do ser humano naquele contexto. “Eu costumava pensar que família e filhos eram tudo, até que eu os tive” . A protagonista é uma mulher em cacos que não consegue se reerguer, decepcionada pela expectativa de um modelo de vida ideal, carregando uma culpa pelos acontecimentos ao seu redor que somente se acumula. No seu longa de estreia, Qui Yang usa bem a impessoalidade das relações e a opressão causada pelos ambientes para construir essa atmosfera de remorso e infelicidade que só começa a se dissipar com a chegada da chuva. Os personagens, que ali somente se relacionavam por convenção, finalmente começam a juntar seus fragmentos quando assumem, de vez, o distanciamento que já era sentido. 

Some Rain Must Fall faz parte de nossa cobertura do Festival de Tribeca. Acompanhe aqui.

Nota:

Author

  • Natália Bocanera

    Na escassez de tempo, entre advogar e dedicar-se à sua dezena de felinos, escolheu o cinema como ponto de equilíbrio e formação individual do seu "eu", em permanente descoberta.

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