Eu Não Sou Tudo Aquilo Que Quero Ser | 2024

Eu Não Sou Tudo Aquilo Que Quero Ser | 2024

 O filme-diário sobre encontrar-se pela Arte.

Na era das redes sociais, fotografar tornou-se um hábito. Quase todos têm um celular e com ele podem registrar os acontecimentos do dia-a-dia. Mas, até que ponto essas fotos representam aquilo que realmente somos? Tudo se dissolve em imagens construídas para atrair cliques, são poses que funcionam como máscaras. Libuše Jarcovjáková, fotógrafa tcheca, passou a vida toda lançando sua câmera sobre o cotidiano, retratando desde si mesma no banho ou no tédio, deitada na cama, até pessoas e lugares que a marcavam. Era sua tentativa de se encontrar e se entender. Eu Não Sou Tudo Aquilo Que Quero Ser, de Klára Tasovská, é um tocante diário narrado pela própria Jarcovjáková, partindo de suas fotografias, revelando suas angústias como mulher e artista.

Se entendemos a Arte como inquietude, como a exigência de sobrevivência do artista que precisa expressar seus sentimentos para continuar existindo, a obra de Jarcovjáková ganha muita potência. Sua atração pela fotografia acontece por volta da década de 70, em Praga, momento de efervescência política com a imposição do comunismo ao país. Diante de seu desejo pela Arte e a necessidade de se tornar uma operária no novo sistema governamental, estabelece-se o grande conflito inicial para o filme de Tasovská. Passamos, então, a acompanhar sua trajetória resistindo a essa incompatibilidade, fotografando tudo que achasse interessante, mesmo que não fosse reconhecida como artista.

Para cada foto, a voz de Jarcovjáková dá o contexto e os sentimentos envolvidos naquele quadro. O trabalho em uma fábrica, os primeiros relacionamentos amorosos, a gravidez e o aborto, os abusos, a boemia. A mudança para o Japão, depois para a Alemanha. Era ela sempre tentando se encontrar no limiar entre os desejos e o mundo. A posição feminina na sociedade sendo confrontada por sua liberdade criativa. Não queria ser a mulher como pediam que fosse; queria mesmo é fazer da Arte o seu alimento, absorver aquelas imagens para realmente existir.

Tasovská dá às fotografias a estrutura cinematográfica, extrai delas suas histórias, com uma belíssima montagem faz com que ganhem movimento, mesmo em sua permanência. O trabalho de som insere o espectador nas memórias da artista, tornando vivo o ronronar de um gato quando a lente está próxima dele, ou os risos e burburinhos de seus amigos em uma festa. Eu Não Sou Tudo Aquilo Que Quero Ser é uma reflexão sobre a Arte, sobre aquilo que faz alguém ser artista, mas também sobre a condição feminina nesse meio, suas liberdades ceifadas pelo moralismo. É preciso coragem para ser quem se é.

Acompanhe nossa cobertura do Olhar de Cinema aqui.

Nota:

Author

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *