The Debutantes | 2024

The Debutantes | 2024

A ressignificação de um baile tradicional elitista e branco por mulheres e meninas negras

Um rito de passagem que marca a transformação da menina para a mulher, a tradição do baile de debutantes nos EUA intenta celebrar e apresentar à sociedade a garota que inicia seu ciclo na vida adulta. Uma festa elitista, tipicamente realizada por pessoas brancas e ricas, e que envolve formalidades como o ensinamento de etiquetas, a escolha de um parceiro (no masculino) para dança e o uso de um vestido branco como símbolo de pureza, são elementos obrigatórios que permeiam o evento. Em sua origem, a ideia dessa apresentação social carrega consigo o objetivo machista de buscar, para essas meninas, um marido. Essa cultura foi aderida também entre mulheres e homens afro-americanos daquele país, formando grupos fidelizados de preparo e organização desses eventos. 

Contessa Gayles, diretora de The Debutantes, longa que integrou a Mostra Competitiva de Documentários do Festival de Tribeca 2024, resgata essa tradição sob uma nova roupagem e ressignificação, acompanhando, durante a pandemia, um grupo de debutantes de Canton, Ohio, meninas e mulheres negras que fazem do evento um elo de união comunitária e empoderamento feminino, sem deixar de abordar o abismo social e político presente em sua natureza e origem.  

A diretora seleciona algumas meninas do grupo para fazer de seu filme um coming-of-age que vai aproximá-las de nós, espectadores, contando suas histórias e backgrounds, nos fazendo conhecer suas famílias, suas dificuldades e sonhos, e os motivos e intenções de cada uma delas com o baile. Com delicadeza, Contessa imprime modernidade e  jovialidade em sua abordagem, como se buscasse transformar cada uma delas nas princesas que imaginaram em suas infâncias. Cada apresentação individual das debutantes vem acompanhada de animações e escritos que preenchem a tela nos recordando cadernos adolescentes e papeis de carta (ainda que estes não integrem a realidade daquelas meninas), compostos por flores, corações, tons pasteis e realeza. 

Essas apresentações individuais, que nos revelam jornadas pessoais de superação, são um contraponto ao caráter político questionável do baile de debutantes, que pode, como o era em tempos pretéritos, colocar mulheres num lugar de submissão a príncipes encantados imaginários, o rito de passagem dando lugar a uma intenção de enclausuramento feminino, limitando a celebração da maturidade à busca por um companheiro, sempre um homem. Acompanhar a organização por mulheres coroadas pelo evento em tempos passados, por mães que enfrentam todo tipo de dificuldade na criação de suas filhas, dá não só ao longa, mas à festa em si, um caráter coletivo significativo, afastando-o do elitismo que o originou, e transformando-o num lugar seguro para trocas femininas, um espaço onde mulheres negras podem exaltar suas belezas, onde devem se sentir bonitas, onde a autoestima importa.

Entretanto, parece que essa ideia de empoderamento não é suficiente para sustentar The Debutantes em seu todo. O alongamento de Contessa nas histórias de superação pessoal deixam pouco espaço para o baile, o que é até interessante tendo em vista que importam mais as mulheres que amadurecem do que o evento em si, mas findam, pela repetição da mesma estrutura de apresentação para cada uma das meninas, por tornarem-se cansativas. A decisão por uma sutil rivalização das garotas na ocasião do baile soa estranha e muito forçada, com Gayles direcionando a uma única garota um primeiríssimo plano longo para mostrar a decepção por não ter sido coroada no evento com um prêmio tradicional. Mal vemos o baile e isso é um tanto decepcionante.

The Debutantes ganha muito pela vida e energia trazida pelas garotas de Canton que se preparam para a vida adulta, carregando uma importância grande no sentido de permitir que meninas negras se sintam e se reconheçam como lindas, empoderadas, acolhidas, pertencentes a um grupo social e à comunidade, preparadas para a vida adulta e para a busca de seus objetivos, ainda que isso venha de uma tradição branca e elitista ressignificada. Entretanto, não é consistente na sustentação da estrutura escolhida pela diretora, permanecendo mais o individual do que espírito coletivo bonito que rodeia toda a ideia da apropriação do evento por mulheres negras, desapontando um tanto por dedicar pouco espaço ao baile que é preparado e falado durante todo o longa.

Nota:

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