Greice | 2024

Greice | 2024

As desventuras de uma boa mentirosa.

Dizem que é muito fácil reconhecer um brasileiro na Europa, isso graças a uma irreverência característica de nosso povo. Somos capazes de rir das desgraças, superamos inúmeras adversidades sociais com resiliência, transformamos dor em samba. Talvez tenhamos um calor que não se vê nos países de lá. Se isso for verdade, Greice é um bom exemplo dessa vivacidade, dessa brasilidade. O que podemos afirmar é que esse filme faz com que as pessoas saiam da sala de cinema muito mais alegres do que chegaram, esquecendo por alguns minutos as angústias do país subdesenvolvido.

Greice (Amandyra) é estudante na emblemática Faculdade de Belas Artes de Lisboa, divide o apartamento com sua amiga Lis (Luara Raio) e trabalha em dois empregos: como atendente em um quiosque de café e produtora da cantora Clea (Isabél Zuaa). Mesmo antes de toda essa contextualização, em pouco tempo, já temos o principal traço de sua personalidade posta em cena: é uma pessoa muito eloquente. Para se refrescar do forte calor na cidade, Greice é capaz de escolher no mapa uma casa com piscina nas redondezas para visitar e inventar uma história sobre a gravação de um clipe musical de Clea. Quando percebemos, ela e a amiga conseguiram o que queriam: espantar o calor nadando.

É aí que Greice conhece Afonso (Mauro Soares), o português proprietário da tal casa com piscina, que logo se transformaria em seu namorado. Assim começam as desventuras da personagem nessa relação Brasil-Portugal. O diretor e roteirista, Leonardo Mouramateus, explora essa dualidade não só com o casal, mas também para criar piadas ácidas envolvendo a história dos dois países. Vale destacar que em nenhum momento existe interesse narrativo na inferiorização do Brasil diante do colonizador, algo comum na representação europeia do brasileiro.

Depois de um incidente envolvendo Greice, Afonso, uma festa de calouros e um quadro famoso pegando fogo, ela precisa retornar ao Brasil, já que seu visto em Portugal foi invalidado. Agora sua missão é conseguir regularizar sua situação e voltar a Portugal antes que sua mãe perceba. Toda essa confusão é levada com um humor afiado, partindo sempre das versões e do poder de persuasão de Greice, que acaba envolvendo diversos personagens em seus dilemas.

Um deles, quando está hospedada em um hotel em Fortaleza se escondendo da mãe, é Enrique (Dipas), o recepcionista. Diferente do casal Greice-Afonso, essa nova dupla se baseia na “malemolência” brasileira, rendendo os melhores momentos do filme. Enquanto Enrique é usado por Greice para seus interesses, ele também tem seus jeitos para conquistar a moça.

Por mais que Greice seja uma pessoa manipuladora, em nenhum momento a odiamos. Pelo contrário, criamos um laço afetivo com ela que se torna impossível questionar a bondade em seu coração. Certamente uma personagem que gostaríamos de conhecer pessoalmente e sentir sua energia. Muito dessa força está na gigantesca atuação de Amandyra, que equilibra irreverência e doçura. Não menos importante é a participação de Dipas, formando uma química entre eles que é imbatível.

Greice é gostoso de se ver. É um filme que não se dispõe a grandes e aprofundados debates, pois se assume como uma comédia de erros sustentada pelo poder de persuasão da personagem título. Mouramateus e Amandyra não nos deixam escolhas a não ser nos apaixonarmos por Greice e torcer para que tudo dê certo para ela, uma mulher brasileira, cearense e negra na Faculdade de Belas Artes de Lisboa.

O filme foi o grande vencedor do 13° Olhar de Cinema, incluindo melhor filme e melhor atuação para Amandyra. Acompanhe os textos da nossa cobertura aqui.

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