Idade da Pedra | 2024
As lutas e os sonhos de Terceiro Mundo.
Glauber Rocha, em seu manifesto Eztetyka do Sonho, forjou a ideia de que, para fugir das estruturas colonizadoras sobre o Cinema nacional, era preciso explorar o lado onírico do Terceiro Mundo. Os signos da fome e da miséria, do subdesenvolvimento brasileiro, trazem consigo uma força folclórica que ultrapassa qualquer racionalidade. Portanto, é no sonho que a Arte pode expressar os desejos e necessidades primordiais do povo vitimado. Idade da Pedra, de Renan Rovida, parece usar esse mesmo pretexto para exercer um surrealismo tropical, trazendo a luta dos oprimidos pelo viés do irreal.
Seguimos a caminhada de um morador de rua que, não por acaso, se chama Terceiro Mundo (interpretado pelo próprio diretor). Em um centro de São Paulo sujo, abandonado e moribundo, ele revira os sacos de lixo em busca de algo para comer ou que o aqueça. É um personagem dentre muitos outros compartilhando as mesmas condições, pessoas que vivem e/ou trabalham nas ruas.
Alguns destes cruzam o caminho do protagonista, distribuídos pelo roteiro em pequenas esquetes, criando as simbologias da narrativa de Idade da Pedra. Essas cenas ora nos levam à consciência de luta e à pobreza terceiro-mundista, ora rememoram um passado de ilusões capitalistas, como a meritocracia e a vida perfeita de quem trabalha, sonhos utópicos das colônias, representadas, aqui, pelo personagem Terceiro Mundo.
Ele já viveu um romance, já vislumbrou o luxo, foi um funcionário dedicado de uma fábrica. Mas, agora, a fábrica fechou, saiu do país, demitiu seus funcionários. Terceiro Mundo viu seus sonhos desmoronarem. Nas ruas ele vive na companhia de seu cachorro caramelo, de um papelão que usa como cama, e se aquece com a cachaça forte. É onde ele precisa aprender a lutar contra outros famintos e contra a “máquina”. Também é nessas andanças que ele encontra um grupo de semelhantes, pessoas desesperançosas, trabalhadores cansados, mas que mesmo assim ainda encontram energia para fazer o samba.
É por meio dessas imagens sem cronologia, envolvidas pelos sonhos e memórias do personagem, que Rovida faz a sua estética surrealista, explora a irracionalidade do neocolonialismo, as contradições de um Brasil tão cheio de vida, mas também tão cansado, para fazer de Idade da Pedra um bom exercício glauberiano. É claro, carece de potência revolucionária e poética, como a de Glauber, incomparável, mas esse é um filme de reflexão importante sobre os problemas do subdesenvolvimento.
Idade da Pedra recebeu o prêmio de melhor longa-metragem na Mostra Novos Olhares do 13º Olhar de Cinema. Mais textos do festival você acompanha aqui.