O Rancho da Goiabada, ou Pois é Meu Camarada, Fácil, Fácil Não é a Vida | 2024

O Rancho da Goiabada, ou Pois é Meu Camarada, Fácil, Fácil Não é a Vida | 2024

 Uma reflexão sobre o trabalho.

Não é tão fácil encontrar consumidores que realmente saibam as condições de trabalho envolvidas nos produtos que compram. Seja com o emprego infantil da China, ou com a exploração dos funcionários na Amazon (como escrevemos sobre o filme Union), a vida globalizada se resume a facilidades, como possuir coisas sem pensar muito. Enquanto isso, aqueles que acordam cedo, pegam o transporte público lotado e passam o dia todo trabalhando para subsistir são invisibilizados. O Rancho da Goiabada, ou Pois é Meu Camarada, Fácil, Fácil Não é a Vida é um filme que vai até esse “chão de fábrica”, que se interessa pelo trabalhador brasileiro e o mito da meritocracia. Fácil não é a vida de quem está na labuta vendo seus chefes enriquecerem a cada dia enquanto lhe restam apenas migalhas.

Inspirado e embalado pela música de João Bosco e Aldir Blanc com o mesmo título, O Rancho da Goiabada, escrito e dirigido por Guilherme Martins, mistura ficção e realidade ao inserir um personagem, interpretado por Alex Rocha, trabalhando na vida real como auxiliar de cozinha em um restaurante, boia-fria na lavoura de cana e vendedor de DVDs piratas de filmes brasileiros. Ao mesmo tempo em que ele é mais um entre os operários, também funciona como um instrumento de consciência de classe, inserido pelo diretor como fomentador dos dilemas do povo. São suas perguntas que fomentam as conversas entre ficção e realidade.

O filme segue a ironia presente na canção ao falar do brasileiro que se indigna, mas também se diverte, toma “umas biritas” para espantar a tristeza e sonha com o bife-a-cavalo, batatas fritas e sobremesa no almoço. Os comentários que esse personagem faz, seja na lavoura, no restaurante ou no bar, abrem espaço para ouvirmos a voz daqueles que nunca são ouvidos, suas motivações e seus sonhos. É uma ligação que desperta algo já intrínseco ao trabalhador precarizado, mas que nem mesmo ele teve tempo para pensar.

Assim como Idade da Pedra, filme do qual já escrevemos aqui, O Rancho da Goiabada opta por uma narrativa fragmentada, menos surrealista, mas não convencional. Imagens de arquivo se mesclam com as filmagens para estabelecer uma ligação temporal entre o trabalho de antes e a sua estagnação até os dias atuais. Efeitos alteram as cores da projeção, trazem granulação ou diminuem a saturação, somando-se a presença intrusiva da trilha sonora, o que acaba contrapondo nossa percepção documental dos relatos reais. A intenção de Martins é mesmo borrar os limites de interação entre documentário e ficção, Cinema e Trabalho, usando também uma pitada de Glauber Rocha para ter a Arte como ferramenta instigadora política.

No fim, os DVDs que ele vendia nos ônibus e metrôs, “aqueles que não passam na TV nem na Netflix”, como diz, são as provas de que o grande Cinema Brasileiro tem essa predileção por narrar a luta de seu povo, as inúmeras formas de opressão que sofremos e o nosso típico jeito de trazer junto com a revolta uma intrigante alegria, a ironia das contradições do nosso país.

Sugerimos que agora ouça a canção O Rancho da Goiabada pela voz de João Bosco.

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